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quinta-feira, abril 25, 2013
Tempos idos na primária
Hoje, em conversa com uma amiga virtual viajei no tempo e fui até aos meus tempos da primária.
Informo que sempre fui boa aluna, excepto numa pequena parte: Nunca soube (nem sei) fazer contas de dividir. Nessa altura tinha uma professora, Teresa, que não só tinha fama de má, como o era realmente.
Há duas coisas que me ficaram gravadas na memória para todo o sempre:
1 – uma sova monstra que levei (porque não conseguia fazer contas de dividir, e fui chamada ao quadro para as fazer), levei tanta chapada em frente à turma inteira que já todos choravam comigo, fiquei com a cara toda negra, as orelhas negras, e inchadas, e os pulsos negros pelas reguadas (não batia nas palmas das mãos com a régua, batia nos pulsos). A aldeia indignou-se em peso, acho que foi a única altura em que a professora teve medo, e pediu mil desculpas ao meu avô, porque ele disse-lhe, na cara, que ia fazer queixa dela (e nessa altura os professores eram quase uns deuses nas aldeias, sempre respeitadíssimos). Ele acabou por não fazer queixa, ela nunca mais me chamou ao quadro, e não me prejudicou na restante matéria, e passou a explicar-me as coisas com mais paciência.
Ainda hoje a detesto, só de pensar no assunto.
2 – tinha uma colega de turma, a Helena, que tinha grandes problemas em português (hoje, suspeito que sofria de dislexia), conseguia ter erros em todas as palavras que escrevia, e nessa altura cada erro valia uma reguada (no pulso). A Helena tinha uma compulsão: não conseguia parar de contar quando começava a fazê-lo. E por muito que lhe pedíssemos para o não fazer, quando estivesse a levar reguadas, ela não conseguia, lá na 10ª ou 11ª começava “11, 12, 13, 14…”, e a prof.Teresa “ah já começaste a contar? Então vamos ver até que número contas” e não parava, até se cansar, porque a Helena não parava de contar.
Se hoje acho que as crianças abusam dos professores (culpa dos pais), na minha altura, os professores abusavam dos alunos, e era neles que descarregavam as suas frustrações domésticas.
Se alguma professora (ou professor) batesse na minha filha como essa tal Teresa me bateu a mim (uma única vez), ou como batia na Helena (imensas vezes), não sei se ela (ou ele) estaria viva a esta hora.
Espero que a D. Teresa já tenha morrido. Sinceramente.
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domingo, fevereiro 10, 2013
E pensar que é assim que se começa...
Já lá vão quase 10 anos desde que deixei de fumar, e hoje, ao ler um livro do Spirou, que remete para a infância deste personagem, não pude deixar de dar uma gargalhada com esta prancha (clikem e, cima da imagem para verem/lerem melhor).
Realmente todos nós, os fumadores (e ex-fumadores) começamos com uma parvoíce assim não foi?? A querermos ser crescidos através dum hábito burro, e mesmo sentindo-nos mal, enjoados, e a ficarmos verdes de agonia insistimos até gostarmos.
Os humanos são uns seres muntooo estranhos.
sexta-feira, agosto 24, 2012
Oh eu a passar-me da carola...
Sempre tive um sentido de justiça apurado (e este “apurado” vale o que vale, é o meu sentido de justiça).
Tento sempre perceber o ponto de vista dos outros, ponho-me no lugar deles, e penso “se eu tivesse de fazer isto/aquilo como é que eu agiria/reagiria?” E isto serve-me muitas vezes no Tribunal, para perceber por que é que determinadas pessoas cometem certos crimes. E olhem que a minha fasquia para perceber o porquê dos crimes é alta, são poucos os crimes que eu não admito (e que por isso mesmo nunca defenderia quem os comete).
E isto porquê?? Porque quando a injustiçada sou eu, fico possuída.
Se posso fazer alguma coisa quanto a isso? Poderia, mas não vou fazer, pelo menos por agora, porque isso colidiria com interesses de terceiros que nada têm a ver com as parvoíces que outros dizem/fazem.
Mas… um dia posso passar-me da cabeça (e não é coisa tão rara quanto isso), e nem sempre os terceiros merecem a consideração que lhes tenho.
Aliás, neste momento, não há terceiros em pódio nenhum, está tudo ao nível da humanidade, só que há uns humanos de quem gosto mais que outros.
Um dia bato a porta para todos os que me aborrecem.
Mas não gosto de dar razão quando me chamam "parva", e porra quem o fez tem toda a razão, sou mesmo.
Só isso.
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quinta-feira, março 29, 2012
Em família
A Biscoito
Diabbita-Minorca
A Bolacha
Diabba-Mamã
Mephista-Flor
Somos uma família infernalmente feliz. ]:-)
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sexta-feira, março 16, 2012
Cidade du Dragon - Porto
No fim de semana transacto estive no Porto, e não percebo, agora sempre que lá vou é uma correria, não tenho tempo para nada, nunca consigo estar com ninguém, nem telefonemas fiz para os amigos, para depois não me sentir culpada por não ter tempo de estar com eles. (os amigos com quem estive, foram eles que tiveram de se deslocar para virem ter comigo, obrigado Francisco & Família)
Fui, com o diabbo-marido (é tão nerd, cum escafandro) ao festival MAB (banda desenhada e não só), onde também fui no sábado.
Fiz um jantar para os amigos que também foram do sul ao mesmo evento (conseguimos estar 8 almas à mesa, numa caverna onde só cabem 3, e com esforço), correu bem. Comemos francesinha. Oh c’original. ]:-P pfpfpfrp.fp.fp.rprp.fr.r para vocês.
No Domingo de manhã fui com a diabbita-minorca numa viagem no tempo, e demos um saltinho ao Jurássico, não tiramos fotos porque, parece, os dinossauros (os que gostam de xixa) são atraídos pelos flashes, e podiam comer-nos. (a fila para aquisição dos bilhetes às 10h30 já era monstra)
O Porto estava pejado de turistas (pelos vistos ninguém os informou que o mundo está em crise), e também reparei que a oferta cultural na cidade está muito boa. Ballet, concertos, teatro, o festival MAB. E vi um dragão LINDOOOO em frente ao Teatro Rivoli, mas como passei de carro não consegui perceber qual era o evento/espectáculo a que se referia.
A próxima visita ao Porto não pode ter menos que 7 dias, e mesmo assim não sei se chega.
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sábado, janeiro 21, 2012
Dragão Alegre 1964
Personalidade
Este Dragão é fisicamente muito atraente (quem escreveu isto conhece-me, de certeza. hihihi) e tem um grande sentido de justiça. É muito amável (tenho dias) e compassivo, e não usa os seus talentos exclusivamente em proveito próprio.
Face à injustiça, pobreza ou crueldade reage com exaltação, como um verdadeiro Dragão.
Juventude
A sua juventude pode ter sido um período difícil e instável. Isto deve-se ao facto de este Dragão ter um enorme potencial não aproveitado, que lhe causou vários problemas (mas nunca com a Justiça, hihi). Talvez tendesse a ser demasiado impaciente e não se contivesse o suficiente (a sério?? ohhh ]:-D acho que ainda não me passou essa fase). Os seus sentimentos impetuosos e poderoso sentido do que está certo e errado irão levá-lo a assumir atitudes extremas, pondere as questões antes de agir e modere os seus ímpetos (o problema é saber parar no calor da refrega).
Lembre-se de que, para tirar o maior proveito possível da sua vida deve dar sempre a si próprio tempo suficiente para descobrir e desenvolver as suas forças e capacidades.
Características femininas
De vido à influência calma e apaziguadora da força Yin, a mulher Dragão Alegre será sempre carinhosa (também tenho dias) e um grande apoio para o seu companheiro.
Carreira e família
O Dragão Alegre pode viver duas vidas distintas (diabba-Jeckil/ diabba-Hyde). Tende a viver uma vida muito aberta no trabalho e no seu vasto círculo social, é também uma pessoa muito individualista, que protege excessivamente a sua família. Ser-lhe-á necessário desenvolver esta natureza dualista, pois encontra-se em domínio público a lutar ferozmente pelas questões em que acredita.
O seu mundo privado pode funcionar como um refúgio para recuperar as forças.
Relações
Quando procurar uma relação estável, é melhor escolher um parceiro que lhe ofereça muito apoio.
Perspectivas
Uma vez ultrapassadas as dificuldades da sua juventude, a vida tratá-lo-á bem. Sorte, sucesso, prosperidade e benefícios materiais bafejá-lo-ão a si e à sua família. Embora se envolva em diferentes áreas de actividade, elas não interferirão com o seu bem estar, a não ser que perca a noção da necessidade de descanso e lazer.
Confie no que o futuro lhe pode trazer. A sua sorte inata sugere que desfrutará o melhor da vida nos seus últimos anos.
terça-feira, novembro 08, 2011
Perdão
"Perdão" é uma palavra com a qual tenho dificuldade em lidar, esta e a “desculpa”, há coisas que não se pedem, evitam-se.
Tenho uma memória selectiva, há coisas que se passaram na minha vida que simplesmente esqueci, apaguei, porque não foram importantes (as coisas) ou porque quem as praticou (as almas) também não foram importantes.
Todavia, e aqui parece uma contradição, tenho extrema dificuldade em perdoar (se é que algum dia perdoo) em lidar com traição, e deslealdade, vinda de alguém que eu ame realmente.
Existem almas com quem deixei de lidar há anos, porque me traíram, porque foram desleais, e eu, quando penso nelas, passados que são séculos sobre os factos, continuo a sentir mágoa, continuo a sentir-me traída, continuo a achar que não mereci a deslealdade. E são essas, aquelas a quem não perdoo, que eu sinto que gostei verdadeiramente delas, porque por muito esforço que faça não as consigo apagar da minha memória.
Há factos que me assaltam muitas vezes, que eu tento esquecer, mas que estão ali, quase todos os dias a piscar-me o olho e a dizer-me “eu traí-te”, é por isso que eu não perdoo, porque me lembro das traições, todos os dias.
Alguém tem um comprimido para apagar a memória?
Tenho uma memória selectiva, há coisas que se passaram na minha vida que simplesmente esqueci, apaguei, porque não foram importantes (as coisas) ou porque quem as praticou (as almas) também não foram importantes.
Todavia, e aqui parece uma contradição, tenho extrema dificuldade em perdoar (se é que algum dia perdoo) em lidar com traição, e deslealdade, vinda de alguém que eu ame realmente.
Existem almas com quem deixei de lidar há anos, porque me traíram, porque foram desleais, e eu, quando penso nelas, passados que são séculos sobre os factos, continuo a sentir mágoa, continuo a sentir-me traída, continuo a achar que não mereci a deslealdade. E são essas, aquelas a quem não perdoo, que eu sinto que gostei verdadeiramente delas, porque por muito esforço que faça não as consigo apagar da minha memória.
Há factos que me assaltam muitas vezes, que eu tento esquecer, mas que estão ali, quase todos os dias a piscar-me o olho e a dizer-me “eu traí-te”, é por isso que eu não perdoo, porque me lembro das traições, todos os dias.
Alguém tem um comprimido para apagar a memória?
segunda-feira, outubro 24, 2011
E se...?
E se eu, algures no tempo, tivesse decidido algo diferente, uma atitude que fosse, será que teria a vida que hoje tenho?Vamos imaginar que a alma X nunca me apresentou a alma Y, ou que nunca tropecei na alma Z, que diferença isso faria no agora? Que outros rumos teria tomado a minha vida?
Será que quando nascemos já vimos com um caminho pré determinado? E só depende de nós o embelezamento do caminho, mais flores menos flores, mas o caminho é aquele?
Tenho dias em que me sinto refém dos lugares, das almas, das palavras, e atitudes.
E se eu nunca tivesse nascido? Será que o mundo era diferente?
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sábado, setembro 17, 2011
Os dragões existem?
Será que os dragões existem? Alguma vez terão existido?
Folha Caduca, acha que são lendas, e olhem que ela já tem mais de 800 anos, deve saber o que diz. No entanto o seu neto, Folha Fresca, está convencido do contrário, e está apostado em arranjar provas.
Ana, a única humana nesta história, vai ajudá-lo, se calhar ela já viu mais do que o Folha Fresca, mas será que viu mesmo?
Uma história cheia de personagens mágicos, como a fada Sophia, o Ranzinza, neto do feiticeiro Algodão Doce, a bruxa Vinagre, e outros seres.
No final todos saberão a resposta. Até vocês, se lerem o livro, claro. ]:-)
Nota 1: A história está registada no IGAC (título, e nome dos personagens, incluídos).
Nota 2: O título pode não ser este, ainda iremos a votos.
Nota 3: E a azia que isto vai provocar em certas almas?? uiiii
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quinta-feira, agosto 25, 2011
É para amanhã
Há quem tenha como lema de vida o “de amanhã não escapa”, ou “para a próxima é que vai ser”, nunca tomam as decisões certas no momento certo, sendo certo que quando as tomam, e porque não foram tomadas no momento certo, correm o risco de serem erradas. Confusos? Eu também.
Às vezes gostava de encerrar o Inferno (não este, descansem, este não é um post para 3 ou 4 almas pedirem “ahhh e tal, não feches, gosto tanto de ter ler” (mesmo quando não lêem), ou, pior, para meia dúzia dar pulos de contente com “finalmente fechou aquela espelunca inútil” (e se calhar estes também não lêem nada do que aqui posto, ou então são os únicos que lêem)), partir sem destino certo, ficar só, sentada a olhar o horizonte do alto duma fraga, rodeada por estevas e giestas.
Tenho espírito de eremita, sonho com momentos de silêncio. Bastava-me uma caverna cheia de livros (já agora com wc, e água quente, odeio banhos gelados), tudo o resto era capaz de prescindir.
O barulho, as correrias, as mentiras, as facadinhas nas costas, as quebras de confiança… será que tenho tomado as decisões certas? Ou também sou daquelas que “só decido amanhã”?
A música do António Variações não me sai da cabeça.
Acho que a depressão de inverno chegou mais cedo.
Às vezes gostava de encerrar o Inferno (não este, descansem, este não é um post para 3 ou 4 almas pedirem “ahhh e tal, não feches, gosto tanto de ter ler” (mesmo quando não lêem), ou, pior, para meia dúzia dar pulos de contente com “finalmente fechou aquela espelunca inútil” (e se calhar estes também não lêem nada do que aqui posto, ou então são os únicos que lêem)), partir sem destino certo, ficar só, sentada a olhar o horizonte do alto duma fraga, rodeada por estevas e giestas.
Tenho espírito de eremita, sonho com momentos de silêncio. Bastava-me uma caverna cheia de livros (já agora com wc, e água quente, odeio banhos gelados), tudo o resto era capaz de prescindir.
O barulho, as correrias, as mentiras, as facadinhas nas costas, as quebras de confiança… será que tenho tomado as decisões certas? Ou também sou daquelas que “só decido amanhã”?
A música do António Variações não me sai da cabeça.
Acho que a depressão de inverno chegou mais cedo.
domingo, abril 10, 2011
Plágio encapotado
E se virem algures por aí, nas livrarias, um livro que vos faça lembrar a história que a seguir vou colocar saibam que o tal livro nada mais contém que um reles plágio, encapotado, de uma história que é minha, e está com os direitos autorais registados no IGAC (Inspecção-Geral das Actividades Culturais), sob o nº 3835/2010.
GUIÃO DO LIVRO DE BD “RES PUBLICA”
Autora dos Textos: Diabba (no registo coloquei o nome da humana em que habito)
A)
Lugar: café Martinho da Arcada.
Data: Novembro
Descrição do cenário
Tempo estranhamente quente para a época, Verão de S. Martinho (11.Nov), é fim do dia e o céu está em tons de guerra, avermelhado, e está abafado.
Encontramos o Eça e o Ramalho, sentados na esplanada, em amena cavaqueira, enquanto observam o burburinho do povo, na sua azáfama diária.
Há um cheiro de castanhas assadas no ar (está lá um vendedor de castanhas) pobremente vestido, como aliás estão todos os de baixa condição social.
Lisboa, Novembro de 1896.
Eça de Queiros, chegado de Paris, e Ramalho Ortigão, passeiam, em amena cavaqueira, na baixa lisboeta.
Ram - … pois, a minha Emília diz que os anos bissextos são aziagos. Coisa de mulheres, ou terá ela razão?
Eça – Oh meu amigo, nem parece a pessoa evoluída que eu sei que é.
Ram – às vezes desmoralizamos! O povo nunca está contente, por muito que se faça por ele.
Eça – Isso é bem verdade. Temos um dos reis mais cultos e interessados pelo bem estar da nação, e que valor lhe dão? Nenhum. Querem a república. Maltrapilhos.
Ram – é o nosso fado.
Eça – Qual fado, nem meio fado, Portugal tem de acompanhar o resto do mundo. Já viu como está Paris?
Ram – É verdade. Em Portugal electricidade, nas ruas, há! E porquê? Porque há meia dúzia de carbonários, que instigam o povo a querer menos, imagine o meu amigo. Devem pensar que é uma vaidade régia, ignorantes!
Eça – Já viu o meu amigo que este ano recomeçaram os Jogos Olímpicos, e ninguém fala disso!
Ram – Jogos? Oh meu amigo, o povo quer comida, não se interessa por jogos, por aqui só se for o jogo do eixo ou o jogo da malha (e sorri, bonacheirão)
Entretanto ouve-se ao fundo um ribombar, um som cavo, pode ser um trovão, o povo passa mais apressado, quase a correr.
Eça – Vamos embora meu amigo, vem aí uma trovoada.
Ramalho fica atento
Ram – Ainda deve estar longe, mas vamos!
Ram – Jantamos no Grémio?
Eça – Estou com saudade de um bom tinto do Dão. E de ouvir fado, apetece-me.
Ram – De que estamos à espera? Vamos a isso! E vamos a pé, para o meu amigo rever a cidade.
Começam a subir a Rua do Ouro (ver que velhas lojas existiam na Rua do Ouro)
Ram – Então mas conte-me, e as francesas?
Eça – Lindas que são, e cultas, não há o provincianismo, que está tão arreigado às mulheres portuguesas.
Ram – Ouvi uns zun-zuns que o meu amigo gosta é de inglesas, ehehe.
Eça – Boatos, a inveja provoca boatos!
Neste entretanto vão passando por pessoas de diversas classes sociais, e vão ouvindo frases soltas:
- …haviam de lhes acabar com a raça!
- meu nosso senhor Jesus Cristo.
- bandalhos.
Passam duas varinas, uma dela nova, bonita, avantajada de peito.
Ram – Olá cara laroca! (olhando lascivamente para a varina)
Varina – Olhó avozinho qu‘inda acha c’olham p’ra ele, vá mazé pró pé dos netos!
As varinas vão-se embora a rir, deixando o Ramalho semi-embaraçado com a resposta.
B)
Lugar: Vila Viçosa,
Sala de visitas “de confiança” (ver fotos), colocar o quadro feito pelo Rei “a varina”, inacabado, ainda no cavalete.
O rei observa e endireita o quadro que representa o iate D.Amélia III, dá de comer aos peixes do aquário
D. Carlos - … em Paris estão a construir uma torre toda em ferro, que é uma obra de engenharia magnifica.
Arnoso – Já ouvi falar Majestade, um dinheirão deitado fora!
D. Carlos – É um símbolo, uma coisa magnifica, é pena que seja só para a exposição.
Chega a D. Amélia, já acompanhada pelo José Malhoa
D. Amélia – Carlos, chegou o mestre Malhoa, não se esqueceu que tem que posar para o retrato real, pois não?
Malhoa – Majestade. (faz vénia respeitosa)
D. Carlos – Claro que não. Seja bem vindo mestre.
Malhoa – É uma honra retratá-lo Majestade.
D. Amélia – Sabe Carlos, o mestre Malhoa foi perseguido na rua por um lunático!
D. Carlos – Mas ao que vejo nada de grave aconteceu aqui ao mestre Malhoa, não lhe falta nenhum bocado!
D. Carlos – Bem mestre, vamos lá despachar isto, tenho que ir vestir a farda de gala?
Malhoa – Não é necessário Majestade, pinto as mãos e o rosto, o resto ficará por conta de um manequim de madeira. Assim não ficará Vossa Majestade cansado desnecessariamente.
O Rei posiciona-se para o retrato (ver foto de D. Carlos), o Malhoa compõe o Rei, por forma a colocar as mãos em determinada posição
D. Carlos – Então mestre, conte-nos o que se passou, em que sarilhos se meteu lá por Lisboa…
Malhoa – Imagine Vossa Majestade que, estava eu ali para os lados de…
C)
Lisboa,
Descrição do cenário: Malhoa passeia, com folhas de desenho semi-soltas debaixo do braço, lápis de carvão .
Há um ajuntamento de pessoas na rua, e Malhoa aproxima-se. Está uma rapariga, grávida, traços fortes de rosto, a cantar fado de olhos semi-cerrados, acompanhada de um guitarrista (o guitarrista tem a cabeça coberta por um chapéu ou boina).
Fado que está a ser cantado:
Sou fadada para o fado
Nele está o meu viver
Vejo-o em todo o lado
Sem ele prefiro morrer (letra inventada por mim, achei melhor, do que sermos acusados de plágio, por alteração de palavras num fado existente) hehehe
Há moedas dentro de uma caixa, e duas ou 3 fora da caixa, atiradas por quem assiste ao espectáculo de rua.
Malhoa fica encantado com o quadro que se lhe apresenta, e saca do caderno e lápis de carvão e começa a esboçar a fadista. (Adelaide da facada, ainda sem facada)
O guitarrista (Amâncio navalha) ao reparar no que Malhoa está fazer (já tem traços feitos) questiona-o de forma agressiva
Amâncio – Oh finório, estás a pintar o quê? Conheces a minha Adelaide d’algum lado?
Malhoa pára de pintar, e para evitar o confronto (até porque o Amâncio levou logo a mão ao bolso e sacou a navalha ainda fechada), foge (deixa cair algumas folhas brancas)
O Amâncio persegue-o
Amâncio – Oh pincelinho pára que eu também te quero fazer uma pintura nova!
Amâncio – Somos gente honesta, não é para qualquer porco vir pintar a Adelaide sem dizer nada!
O Malhoa bem se tenta explicar enquanto foge:
Malhoa: Oh amigo, não é nada disso, sou uma pessoa de bem!
Amâncio: És de bem és, espera que eu já te digo, tratante, finório dum raio.
Amâncio corre atrás de Malhoa e vê-se que a navalha já vai aberta.
Amâncio: Oh pincelinho, espera aí p’ra conversarmos! (enquanto olha para todos os lados, para evitar ser visto de arma na mão)
Nisto ouve-se um estrondo, um som cavo, uma explosão.
Amâncio pára atarantado
Amâncio: Mas c’um raio, um tiro de canhão?
Passam por ele dois homens, vestidos de negro, de cabeça coberta, a correr desenfreadamente.
Amâncio: C’aconteceu?
Um dos homens: Foge primo, larga a navalha!
Amâncio: Primo? Não sou teu primo, largo-te é a navalha no bucho!
Aparecem 4 ou 5 polícias (ver fardas da época) a correr, vão direitos ao Amâncio (de faca na mão) e manietam-no, e gritam para trás (como se viessem mais polícias)
Polícia: Apanhámos um, vai cantar como uma cotovia! (e vão dando uns socos no Amâncio)
Ouve-se ao longe, vinda do breu: Coragem primo, não fraquejes, em breve estarás connosco!
Amâncio: Estão enganados (para os polícias) não sou primo de ninguém, a minha mãe nem tinha irmãos, e não sei quem é o meu pai.
Amâncio: Estou inocente! Larguem-me!
Amâncio: Ajudem-me! (pede em altos berros)
E vai arrastado pela polícia.
D)
Eça e o Ramalho chegam à zona da explosão, há muita confusão de pessoas, fumo no ar e vidros partidos, com os lojistas à porta de mãos na cabeça, e dizem frases soltas:
- E agora quem nos paga?
- É só desgraças.
- Calha sempre ao mexilhão.
- A guerra é deles, os problemas são nossos
Eça: Afinal o som que ouvimos não era trovoada.
Ramalho apanha uma placa de metal, do chão, toda torta, um anúncio que diz “a Flor de Lys”
Ramalho: Está a ver isto?
Eça: Um símbolo da monarquia, foi um atentado?
Ramalho: Com certeza! Isto é uma vergonha! Não é civilizado. Anarquistas sem escrúpulos!
Eça: Acha que a carbonária está metida nisto?
Ramalho: Oh meu amigo só um cego é que não vê! Está cego? (defendendo a sua opinião de forma apaixonada)
Eça: Este assunto deixou-me mesmo com fome, não lhe apetecem uma passarinhos fritos? (dando uma piscadela d’olho ao Ramalho)
Ramalho: Um assunto destes e pensa em comida? (agastado com a insensibilidade do Eça)
Eça (rindo): Calma, calma, é que ouvi dizer que no Café Gelo servem uns passarinhos que ui ui (faz gesto com dedos ao pé da boca para mostrar que eram um pitéu)
Ramalho (percebendo-o): Ao Café Gelo? Enlouqueceu? É um antro de percevejos, carbonários por todo o lado, anarquistas, bandalhos! (novamente com ar apaixonado pela questão)
Eça: Há que viver perigosamente (ar jovial) meu amigo! Eles atacam-nos nas ruas, nós visitamos-lhe o covil, e atacamos!
Ramalho: Atacamos? Perdeu o tino?
Eça: Atacamos com as nossas armas!
Ramalho (abrindo o casaco): estou desarmado…
Eça: Armas? Afinal o louco é o meu amigo.
Ramalho: Vai dar-lhes umas bengaladas? Ahahahahah sempre quero ver isso!
Eça: Isso nem parece seu, as nossas armas são as letras, vou declamar!
Ramalho: Zé Maria, você é diabólico, arrisca-se a um linchamento…
Eça: Viver perigosamente (e volta a piscar-lhe o olho)
Páram em frente ao Café Gelo
Eça: Então, entramos?
Ramalho: Que aventura!
Entram.
O café que estava com muito burburinho de conversas várias pára de repente, com todos a olharem para os dois visitantes, todos de cenho franzido e com ar pouco amigável.
O Ramalho sente-se desconfortável e esconde-se atrás do Eça.
Eça (com ar jocoso): Oh meu amigo, esta gente ainda pensa mal de nós, consigo tão encostado a mim…
Ramalho: Sentemo-nos já aqui. (puxando o Eça, para a mesa vazia que estava logo à entrada).
Ramalho: e nem pense em declamações, que ainda saímos daqui deitados!
Sentam-se com todos os olhos dos presentes no café, cravados neles.
Vem o patrão, com um ar sebento, pano ao ombro e barba de 4 dias.
Gelo – Atão que tomam os esticadinhos desta mesa?
Eça – Dois passarinhos fritos. Ouvi dizer que este estabelecimento tinha um grande “savoir faire” na confecção destes “hors d’oeuvre” e que são digno de um, “cordon bleu”.
Gelo – Hã? Vocemeceses estão a dizer o quê? Mau, mau Maria, brincam comigo?
O Ramalho continua com um ar contrito, observando, também, quem os observa
Eça – e com duas tacinha de Champagne. Tem “Veuve Clicquot”?
Gelo – Oh Germana, vem tu aqui atender estes dois passarocos a ver se os entendes.
Nas mesas ao lado começam a gozar com os “esticadinhos”
1 - Oh franciú, queres vender o espingardú p’ra matar o pardalú?
2 – ahh num comprã pá?
3 – Não compram cá, nem noutro lado. (rebentam gargalhadas por todo o café)
Aparece a patroa com uma travessa de codornizes e dois copos na mão.
E)
Local: Herdade do Vidigal
Acção: céu, ouve-se um tiro e vê-se um pássaro a cair em linha recta (morto). Vê-se um cão de caça (ver as raças dos cães de caça do Rei) a partir em corrida em direcção ao sítio onde caiu o pássaro, e dp vê-se a voltar com o pássaro na boca. O Rei baixa-se tira-lhe o pássaro e faz-lhe uma festa agradecendo
Rei – bom cão, bom cão (e dá-lhe umas palmadinhas no lombo)
Tem com ele o Conde de Arnoso, seu secretário/conselheiro/amigo que o acompanha na caçada.
Arnoso – como lhe estava a dizer Majestade, o povo nunca está satisfeito…
Rei – o povo? Coitado do povo, o povo não tem voz activa. Infelizmente a voz do “povo” são meia dúzia de sacripantas que lhes falam ao coração, dizendo um chorrilho de mentiras, e o povo crente e temente, tudo aceita.
Começam a caminhar, com as armas em repouso no braço.
Rei – Os republicanos não nos perdoam o que teve que ser feito com o “Ultimatum” inglês, não percebem que seríamos chacinados, e o que é um pedaço de terra, por muito grande que seja, comparada com a vida das pessoas? Nada!
Arnoso – eu sei Majestade, “a Portuguesa” anda de boca em boca, como quem canta um hino…
Chegam ao pavilhão de caça da Herdade, entram. Mostrar o pavilhão por dentro, incluindo a estatueta que representa o Eça.
Rei – esses cães sarnentos só mostram ao povo o que lhes convém, olhe lá se tentam com que o povo fique mais esclarecido, não pois não? Ninguém do povo conhece o Eça de Queirós, (pega na estatueta) por exemplo, e como ele é grande. Nada fica a dever aos maiores escritores da actualidade, e tenho cá para mim que dificilmente será ultrapassado pelos vindouros.
Arnoso – ora Majestade, se nem os que sabem ler o conhecem, que se dirá então do povo! E já não deve ter muitos anos pela frente, a última vez que o vi, saiba Vossa Majestade, que o José Maria estava muito, muito debilitado.
O Rei, pousa a estatueta do Eça e aproxima-se dum aparelho, que é uma moderna máquina fotográfica da altura.
Rei – Lamento sabê-lo. Tenho que o convencer a deixar-me tirar-lhe um retrato. (o Rei coloca a mão em cima da máquina)
F)
Cenário: Esquadra de polícia.
Na 1ª vinheta aparece uma máquina fotográfica. Dp vê-se uma panóplia de apetrechos que mais parecem de tortura.
Depois vê-se o Amâncio um bocado maltratado fisicamente, um olho roxo, e fechado, com sangue a sair do nariz, e uma pessoa de bata branca (fotografo) a limpar-lhe a cara com um pano.
Fotografo policial – Esteja quieto.
Polícia – Tem lá calma, isto é rápido, se não tiveres nada a esconder… (ar ameaçador)
Há mais 1 polícia numa secretária, a escrever (as esquadras já teriam máquina de escrever? Tenho cá para mim que era tudo feito à mão, preenchiam uns papeis já prontos, como os que fotografei na Cadeia da Relação do Porto)
O fotografo, de bata branca, começa a colocar o aparelho na cabeça e pescoço do Amâncio, que fica apavorado, pensando que vai ser torturado.
Amâncio – eu não fiz nada, juro!
G)
1900 (ano de morte do Eça)
Eça e a mulher, vivem em Paris, visitam a feira popular. Eça está muito acabado, acorcunda e está visivelmente doente.
Emilia – Queres ir embora Zé Maria? Vamos até aos Campos Elísios, sentamos-nos numa esplanada, tu descansas, enquanto lanchamos.
Emília – Não te apetece uma taça de Veuve Clicquot? Pode ser que te volte a cor à cara.
Eça – O que me falta mesmo é um copo de vinho, trocava toda a champanhe do mundo por um copo de vinho do Dão, no Café Gelo, isso e uns passarinhos fritos!
H)
Malhoa, na Mouraria, vai com as folhas debaixo do braço, boina na cabeça, lápis a saírem do bolso do casaco.
Entra numa tasca, daquelas bem sebentas, com mesas em madeira e bancos de 3 pernas, há bêbedos lá dentro. O patrão, de palito no canto da boca, limpa o balcão com um pano sujo. Nas mesas há canecas de barro (daquelas de barro vermelho), com vinho, e copos de vinho, uns meio cheios outros vazios, e outro acabado de encher ainda com bolhinhas em cima, com um dos bêbedos ainda a acabar de encher (vinho a sair da caneca e a cair no copo).
Malhoa entra e senta-se, e faz sinal ao taberneiro
Malhoa – Um copo de três e pão com torresmos
Entram 2 putas, para entrar levantam as saias, e mostram as pernas até aos joelhos, estão pintadas duma forma exagerada, muito blush, baton vermelho, um sinal na cara.
Puta1 – Eh lá, quem é que temos por aqui?
Puta2 – É para mim ( diz para a 1). Oh bonitão não quer subir comigo? Não precisa do vinho, eu aqueço-o!
Puta1 – Oh Micas, não te esforces, não vês que é pintor? Este só usa o pincel para pintar.
Puta2 – Podia pintar o quarto…
Patrão – Caluda, que se vai cantar o fado!
Aparece um gorda, feia, com um ligeiro buço, com xaile de fadista. As putas sentam-se na mesma mesa que o Malhoa, e espreitam para o esboço que está em cima da mesa (esboço do quadro “os bêbedos”).
Puta2 – Ai que desenha tão bem. Gostava tanto que me fizessem o retrato… (e manda umas pestanadas ao Malhoa)
(FADO CANTADO PELA GORDA)
Deixei de ouvir
Os passos do meu amor
O mundo parou de rir
Não mereço, não mereço tanta dor
Vivo a chorar, vivo a chorar
Partiste e nada disseste
Não sabes o que me fizeste
Não sabes o que é amar
O patrão, chega à mesa acompanhado dum fulano, com ar de rufia, bigode fininho, com ar pimpão, calças de sarja, com suspensórios camisa flanela aos quadrados e casaco.
Patrão – Este é o Pintor, mas tenha cautela mestre, é só alcunha, nem pintar paredes sabe. Acautele o que tiver de valor, ele não é de fiar…
Rufia – Atão chefe, (estende a mão para cumprimentar o Malhoa, que retribui educado) não ligue ao Agostinho, sou um homem de bem (com um sorriso cínico)
Malhoa – Ali o amigo Agostinho disse-lhe o que procuro?
Rufia – Uma fadista para pintar, não é? Tem uma mesmo à sua frente!
Malhoa – Não é esta que eu quero. Procuro uma fadista mais nova, e mais bonita, para pintar
Rufia – mais bonita que esta não é difícil, esta até assusta um morto! (e ri feito parvo, acompanhado na risota pelas 2 galdérias)
Malhoa – Pois. O que quero é uma fadista, e um guitarrista, que tenham alma, que se conheçam bem, percebe? Que um não possa ser visto sem o outro…
Rufia – Estou a ver chefe (e coça o queixo), acho que sei o que procura, mas olhe que vai ter de pagar, e sabe que há maganos perigosos, que só pensam em dinheiro…
Malhoa - Arranje-me lá o que procuro e deixe o resto por minha conta.
I) (CENA EXTRA)
1904
Cenário: Casa de Adelaide e Amâncio, pobre mas limpa, na cozinha, com mesa e cadeiras toscas, há pão e uma faca em cima da mesa, um louceiro pequeno e velho com um vidro partido, tem lareira e vêem-se as panelas de ferro (3 pés) ao lume, com um balcão, com cortinados de chita, com florinhas. Há um alguidar de alumínio para lavar a loiça.
A Adelaide, está de avental e um pano a sair do bolso do avental.
Há uma criança de cerca de 8 anos, descalço, roupa toda puída, calças um bocadinho curtas, mas a criança está limpinha e penteadinha.
Zé – Mãe, o pai?
Adelaide – Não sei filho.
Entra o Amâncio, e cumprimenta o filho com uma despenteadela.
O filho abraça-o feliz,
Zé – Pai!!!
Amâncio – Zé, vai brincar p’rá rua vai… (e o miúdo vai)
Amâncio – Oh Laide, que conversa é essa de andares com conversinhas com o trinca espinhas do Tónho da quitanda?
Adelaide – Eu? Estás maluco, homem.
Amâncio – Ai eu é que estou maluco? Tu é que me faltas ao respeito e ainda por cima sou o maluco?
Adelaide (danada) - Olha sabes que mais? Faço o que tenho que fazer, porque o Zé tem que comer e viver, e se estivéssemos à tua espera, coitado do nosso filho, já tinha morrido de fome!
Amâncio – Confessas sua galdéria? Pegas-te assim com qualquer um?
Adelaide – Com qualquer um que ponha comida na boca do meu filho!
Amâncio perde a cabeça, pega na faca que está em cima da mesa ao pé do pão e zás… a Adelaide ainda se lança para trás, mas é apanhada na face, do lado esquerdo. Cai no chão, agarrada à cara, muito sangue
Adelaide - Acudam que ele mata-me, acudam!
Amâncio (aflito) – meu Deus, que fiz? Perdoa-me Laidinha, perdoa-me! (e ajoelha-se)
J)
1907
Local: tasca tipica
Malhoa finalmente conhece o par ideal, e aquele que buscava há anos – Adelaide e Amâncio
“pintor” rufia – Então vamos lá ver se é desta, Mestre. Acho que já não há fadista e guitarrista nesta cidade que não lhe tenha apresentado.
Malhoa em pensamento, depois de ver o casal: - Finalmente!
Amâncio olha para Malhoa atentamente:
Amâncio – oh patrão, nós não nos conhecemos? A sua cara não m’é estranha.
Malhoa (já o tendo reconhecido) – Nunca o vi amigo, sou apenas um pintor, como muitos que há pela cidade.
Amâncio – Então quer pintar-me a mim e à minha Adelaide? Mas olhe que semos gente séria, nem pense em fazer poucas vergonhas, não tiramos a roupa.
Malhoa – esteja descansado, estarão vestidos, só quero pintar uma fadista e um guitarrista.
Amâncio – Nem pense ca ‘nha Adelaide vai cantar, ficar qu’a boca escancarada é feio numa mulher, se quiser, sou eu que canto, e toco!
Adelaide – E eu posso ficar assim (esticando-se sobre uma mesa), d’olhar caído pró meu Amâncio, ele canta como um rouxinol.
Amâncio – Rouxinol? ‘tás aqui ‘tás a levar c’uma lamparina, não sou nenhum passaroco, nem gosto de grades!
Adelaide (dengosa) – Oh Amâncio, só te estava a gabar, homem de Deus.
Amâncio (para a Adelaide) – cala-te mas é, não preciso dos teus gabanços!
Malhoa – Vá tenham calma.
Malhoa (virando-se para a Adelaide e apontando para o rosto com uma cicatriz) – que lhe aconteceu? Um corte feio…
Amâncio – mau… mas afinal é pintor ou polícia? Meta-se na sua vidinha.
Amâncio – Quanto é que nos vai pagar por isto, afinal? É que eu quero o pilim adiantado, não pense qu’isto é de graça.
Malhoa – claro que não, claro que não. 300 reis, por dia, para ambos.
Amâncio – nem pensar, por isso num fazemos.
Adelaide (a querer aceitar) – Mas oh Amâncio…
Amâncio (brusco) – Calou!
Malhoa – Não posso pagar mais que 180 reis a cada um…
Amâncio (apertando-lhe a mão) - feito!
De repente do outro lado da sala há um burburinho
Os bêbedos à volta riem (mostrar velhos de copo na mão, desdentados e com um ar acabado) e de copos no ar fazem brindes, quer por um quer por outro dos rapazes envolvidos.
Alguns torcem pelo magala:
1 - dá-le, mostra-lhe quem manda!
2 – Esse tem a mania qué fino, por ser caixeiro numa loja fina.
Outro torcem pelo empregado do comércio
3 - Não te fiques, a Joaninha gosta é de ti.
4 - boa rapariga, a Joaninha (e faz sinal com o queixo em direcção a uma criadita, fardada, que se encolhe a um canto e toda vermelha de vergonha)
3 - isso é verdade, se há rapariga séria é a Joaninha.
O dono da tasca (mal barbeado, com um pano ao ombro e avental com manchas de vinho e gordura) dirige-se ao cerne da questão, onde estão dois rapazolas a fazer peito um ao outro, muito próximos.
Agostinho, (cena H) dono da tasca – Mas que é lá isto? Esta é uma casa séria, não são permitidos arruaceiros. Rua, rua.
Caixeiro – Oh Sr. Agostinho, o Sr conhece-me, e conhece a Joaninha, sabe que somos pessoas de bem, vamos casar daqui a dois meses. Este mariola é que lhe estava a faltar ao respeito.
Agostinho (vira-se para o magala, que estava, nitidamente, com os copos) – a faltar ao respeito à Joaninha? Badameco dum raio… (e vai direito a ele)
O Magala raspa-se a correr, perante a gargalhada geral dos bêbedos.
Agostinho – Joaninha, vai lá para casa da senhora, isto não é ambiente para ti, tens muito tempo para ficares com o Joaquim.
E a Joaninha sai, muito embaraçada, acompanhada pelo Joaquim, a uma distância normal, sem contacto físico, como duas pessoas sérias que são.
Há todavia dois homens vestidos de negro, com chapéus de abas largas, a tentarem não ser notados, que se mantiveram sempre sérios, e não participativos na “alegria” que a altercação provocou, inclinados um para o outro, com ar de quem está a segredar.
Adelaide (dando uma cotovelada ao Amâncio) – Oh Amâncio, estão ali dois mariolas que num tiram os olhos de ti homem.
Os dois homens cochichavam, entre si:
- é primo!
Amâncio – ai a minha Santa Quitéria, só me faltavam os primos, inda lhes ponho é as tripas de fora, já chegou a desgraça da outra vez!
Amâncio – Laidinha, Mestre Malhoa, vamos embora que eu não quero problemas com a polícia, e onde há primos, pode haver polícia.
Despedem-se à porta da tasca, já é de noite, o mestre Malhoa, vai no sentido oposto ao do casal, e mete-se por uma viela mal iluminada.
CENA EXTRA JJ)
O mestre Malhoa vai com o material de desenho apertado junto ao peito, como quem guarda um tesouro, vê-se pela corrente que usa um relógio de bolso.
De repente, numa esquina vê-se um punho fechado a sair duma esquina e a acertar no Malhoa, que cai no chão desamparado, a pasta que leva com os desenhos não se abrem ele fica no chão encolhido em posição fetal, enquanto é agredido com uns pontapés, e se ouve uma voz :
- tudo p’ra cá o magano, dinheiro e relógio.
Malhoa – Leve o que tenho, sou só um pintor, mas não me mate.
De repente o agressor pára e baixa-se – é o “pintor” rufia que lhe tinha apresentado o Amâncio e a Adelaide –
“pintor” – (reconhecendo-o) Mestre? oh co diabo, oh mestre, desculpe lá, (rindo meio nervoso), oh que diabo, tinha logo que me sair vocemecê?
(ajuda o Malhoa a levantar-se, e vai-o arranjando, sacode-lhe os ombros do casaco, com as mãos penteia-lhe o cabelo, e com o lenço que usa no casaco (armado em “pintas”) limpa o sangue do rosto do Malhoa)
“pintor” – não foi nada Mestre, já está tudo bem, desculpe, caramba, querem ver que tenho que usar óculos? Já nem reconheço os amigos!
Malhoa – Se as ruas tivessem iluminação eléctrica, como desejava El-Rei, você já não se enganava… ou enganava na mesma, e dizia que era vesgo…
“pintor” – desculpe Mestre, vou levá-lo a casa, não quero que mais nada lhe aconteça.
K)
1907
Arredores de Lisboa
Noite, rua deserta, chuva .
Dois homens caminham juntos, com as samarras apertadas, usam chapéus de abas largas, tentam não dar nas vistas, apesar da rua deserta, e com poucas casas, há bastantes árvores, não estamos no centro da cidade, mas nos arredores.
Homem 1 – estás preparado?
Homem 2 – Nasci preparado.
Entram numa casa sombria onde tudo está apagado, descem para uma cave, onde está tudo iluminado por tochas (pode haver janelas viradas para a floresta) mas é de noite.
Um deles bate compassadamente à porta, é evidente que é um sinal – Tok – tok tok –tok – tok tok tok.
Vê-se a cave por dentro onde estão reunidos muitos homens, todos vestidos com vestes idênticas (ver fotos dos paramentos).
Primo Cobridor – Algum profano bate à nossa porta
Todos os assistentes – Algum profano bate á nossa porta.
Gran Mestre – Vede quem é este temerário que ousa perturbar os nossos pacíficos trabalhos.
Primo Cobridor – É um profano que se encontra perdido na Floresta.
Gran Mestre – Perguntai-lhes o que procura e com que direito pretende estar entre nós.
Primo Cobridor responde pelo candidato – Com a liberdade dos seus princípios e com a moralidade dos seus costumes.
Gran Mestre – Fazei-o entrar
Entra o Candidato de olhos vendados
Gran Mestre – Cidadão, quem te inspirou para vires até nós?
(nesta parte havia liberdade de texto para o Candidato – que continua vendado - dizer os motivos)
Candidato – A liberdade, o não querer viver mais sob o jugo de um rei que só pensa em caçadas, pescarias e viagens, enquanto o povo sofre com fome.
Gran Mestre – Nós exigimos três coisas aos que querem fazer parte da nossa sociedade:
1 – Sinceridade de coração
2 – Absoluta docilidade
3 – Uma coragem a toda a prova e desprezo perante todos os perigos.
Estais determinado? Quereis submeter-vos a esta terrível prova?
Candidato – Sim.
Gr Mestre – Já que estais inteiramente decidido (vira-se para um dos presentes), bom Primo Esperto, fazei-o realizar a primeira e a segunda viagem. (vira-se de novo para o Candidato) Sai, e feita a viagem, volta e bate irregularmente à porta.
O candidato sai, e volta com a roupa em desalinho (estou a inventar, acho que era uma saída simbólica, como se deixasse finalmente o passado para trás) bate de forma irregular, abrem-lhe a porta.
Gr Mestre - Nós exigimos de vós outra prova mais severa, e esta é um juramento, o mais sagrado e inviolável. Ele não ofende nem religião, nem o estado, tampouco ofende os direitos civis, mas deveis subscrevê-lo. Estais disposto a isso?
Candidato – Sim.
Gr Mestre (para todos e fazendo com as mãos o gesto para todos se levantarem) De pé, é a ordem Bons Primos. Mestre de Cerimónias, fazei-o aproximar-se do Trono, acompanhado dos guardas.
Candidato (vendado) ajoelha-se perante o Gr Mestre
Gr mestre – Que desejais profano?
Candidato – a luz.
Gr Mestre – esta vos será concedida ao terceiro golpe do meu machado.
Todos se aproximam do Candidato e põem-se de machados em riste com ar ameaçador.
O Candidato é desvendado pelo Mestre de Cerimónias.
Gr Mestre – Estes machados que vedes em nossas mãos, servirão para vos matar se vos tornardes perjuro. E irão em vosso socorro se deles tiverdes necessidade.
O Candidato é novamente conduzido ao trono e repete o juramento
Mestre de Cerimónias – Repeti comigo: Eu juro e prometo reconhecer e observar os Estatutos Gerais e Regulamentos da Ordem Carbonária e da Alta Venda de Nápoles e também desta Respeitável Venda da qual sou membro.
Finalmente realiza-se o “baptismo” do Iniciado:
O Grão Mestre toca-lhe nos olhos, ouvidos, nariz e lábios com uma toalha de linho levemente humedecida com água dizendo:
Grão Mestre – Não vejais senão por meio dos nossos olhos; Não ouvis senão por meio dos nossos ouvidos; Aspirareis os eflúvios do nosso carvão; Não pronunciareis senão palavras sábias.
Grão Mestre – à glória do Grão Mestre do universo, em nome de São Teobaldo, e sob os auspícios da Grande Loja, e pelos poderes que me foram confiados, eu vos constituo aprendiz carbonário, e membro desta respeitável Venda. (levanta-se e dá-lhe os paramentos). Tomai estes ornamentos, os quais servem para vos dar o direito de estar sentado entre nós. A partir deste momento não mais deveis usar o título “senhor”, entre nós tratamo-nos por “Bom Primo”.
O Grão Mestre dá-lhe o beijo da paz. (espero que um beijo respeitável na testa, nada de coisas amaricadas tipo desentupidor… hihihihihi)
Acaba a cerimónia com todos de machados no ar com um grito de guerra “morte ao Rei!”
L)
1 de Fevereiro de 1908
Cais de embarque, antes de atravessar o Tejo, está toda a comitiva real, com a Rainha e os filhos.
O Tenente-Coronel José Lobo de Vasconcellos tenta dissuadi-lo de ir a Lisboa.
Ten-Cor – Como seu amigo, faça-me a vontade, não vá. Não consegui demovê-lo em Vila Viçosa, mas insisto, não vá Majestade.
D.Carlos – Tu julgas que eu ignoro o perigo em que ando? No estado de excitação em que se acham os ânimos, qualquer dia matam-me , à esquina de uma rua.
Ten-Cor – Por isso mesmo Majestade.
D. Carlos – Mas… que queres tu que eu faça? Que ideia fariam de mim os estrangeiros se vissem o rei impedido de sair? Isso seria o descrédito. Eu cumpro o meu dever, os outros que cumpram o seu.
Ten-cor – Vossa Majestade é que sabe.
D. Carlos - O povo sabe que eu faço tudo por ele. Eu confio no meu povo!
Ten-Cor – o povo talvez, mas o que eu temo não é o povo, são uns energúmenos que se acham donos da razão, e esses sim são perigosos, porque manipulam o povo.
D. Carlos – Eu sei que sou um dos Vencidos da Vida, mas não desisto, não há ninguém que ame mais esta terra e este povo que eu.
Ten-Cor – Se não o posso demover, pelo menos leve esta arma (e estende-lhe um revolver)
D. Carlos – Parece que não me conheces as minhas armas estão sempre carregadas, e estão comigo!
Ten-Cor – que Deus o acompanhe.
Na viagem D. Carlos é visto na popa, com ar distante, a fumar o seu charuto, longe do resto da comitiva.
Chegados ao cais de desembarque, há algum povo, uns dão vivas ao Rei, outros mostram má cara, mas não dizem nada.
- Viva o Rei!
Uma criança descalça pergunta:
Criança – Quem é aquele? (apontando para o Rei)
Mãe – É o Rei D. Carlos.
O Rei desce da embarcação, e é recebido pelo 1º Ministro João Franco, e outros membros do Governo.
1º Ministro – Majestade (vénia)
Rei olha em volta e vê algumas más caras entre o povo.
D. Carlos - Há alguma novidade?
Pº Mº João Franco - Nenhuma senhor.
D. Carlos – Vê bem, porque se houver, eu seguirei para o Paço, e os meus (vinha acompanhado da Rainha e os dois filhos) voltarão para Vila Viçosa.
Pº Mº João Franco – Absolutamente nenhuma meu Senhor. Vossa Majestade terá, esta noite, uma ovação em S. Carlos.
A família real sobe para o landau (coche aberto?)
M)
1910
Cena: Local onde foi pintado o quadro “o fado”, mostrar janela com todos os vidros.
Amâncio – É que nem pense nisso, quem canta sou eu! Canto e toco, e é se quer, se não quer ponha-se ao fresco.
Malhoa – Ficava melhor ser a Srª D. Adelaide a cantar, como acontece normalmente quando actuam.
Amâncio – Já disse o que tinha a dizer, e é como eu digo!
Adelaide – Oh Amâncio que mal tem?
Amâncio – Já viste essa boca? Queres ficar no quadro de boca aberta e sem dentes? Que lindo quadro…
A Adelaide cala-se.
Malhoa – Então fazemos assim: Você senta-se ali com a guitarra, toca e canta, e a Srª D. Adelaide…
Amâncio – Srª D. Adelaide para cá, Srª D. Adelaide para lá, cá para mim você está é a olhar para onde não deve (de mão no bolso e com ar ameaçador)
Malhoa – Oh Sr. Amâncio, nem pense nisso, sou um homem respeitador, tenho mulher e filhos.
Amâncio – vamos lá a ver…
Malhoa - podemos então começar? O Sr. Amâncio senta-se assim (e o Malhoa posiciona-o como quer), e (falando para a Adelaide) a Srª D. Adelaide põe-se assim na mesa, a olhar para o seu marido, por favor deixe descair a alça da camisa para mostrar o ombro…
Amâncio (saltando) – Qué lá isso? Poucas vergonhas não, é que não admito…
Malhoa – Pronto, deixe lá a alça, fica como está.
Adelaide levanta-se já danada
Adelaide – Mas só tu é que podes aparecer homem? Tu cantas, tu tocas, tu mandas, isto não é assim, eu também quero estar no retrato, e vou descer a alça!
Amâncio – O quê? Estás maluca mulher? (furioso)
Adelaide – Nem te atrevas (afasta-se dele) ele (apontando para Malhoa) também me quer pintar a mim!
O Amâncio dirige-se a ela com ar agressivo, ela não vai de modos e descalça a soca (é madeira por baixo) e vummppttt arremessa-a à cabeça do Amâncio, que se desvia, e vai direita à janela, partindo um vidro.
O Amâncio vendo que a Adelaide estava “por tudo” acalma-se
Amâncio – Oh Laidinha, eu só quero que tu fiques bonita como és, que não se veja a cicatriz, e não quero que pensem que és uma qualquer que mostra os ombros com ar desleixado…
A Adelaide fica toda embevecida, com os cuidados do seu amado
Adelaide – Oh homem de Deus, e porque é que não disseste logo? Se é por isso, então não mostro ombro nenhum, ouviu mestre?
Amâncio – E nada de aparecer a cicatriz da minha Laidinha no quadro!
E vê-se eles posicionados como no quadro do Malhoa, e uma tela já com os traços todos a carvão.
N)
1910 - Proclamação da República
3 Outubro 1910
Os chefes republicanos reuniram-se de urgência nessa noite. Alguns oficiais (ver fardas da altura) foram contra o golpe nessa altura, dada a prevenção dos militares.
Oficial – Não pode ser, temos que adiar o golpe, no quartel está tudo de prevenção, “eles” estão à nossa espera, morreremos todos.
Almirante Cândido dos Reis – adiar? Nunca! A Revolução não será adiada. Sigam-me se quiserem. Havendo um só que cumpra o seu dever, esse único serei eu!
Havia outro radicais que tinham a mesma posição que o Almirante
Teófilo Braga – Não podemos adiar mais. Temos que nos libertar dos grilhões.
José Relvas – A revolução está na rua, já não há como parar isto!
João Chagas – o povo está connosco! (virado para os que estavam mais contidos)
5 de Outubro de 1910
Varanda da Camara Municipal de Lisboa
José Relvas faz um discurso inflamado (não consegui achar o discurso), a Pç do Munícipio está a abarrotar de gente, que dá vivas à República, a maioria estão felizes, mas há um ou outro medroso
- Viva a República
- Liberdade para o povo
- Morte ao Rei
- Vamos embora para casa, ouvi dizer que vem aí as tropas do Rei
No meio da multidão, com cara de poucos amigos vê-se o Amâncio, que diz em surdina, como se falasse para si mesmo – Se morressem todos é que era, não fazem cá falta nenhuma, não lhes dar uma caganeira a todos. E vai-se embora, virando as costas à alegria dos restantes.
Adolescente - Pai, o que é a República?
Pai – heee hummm pois… é não ter Rei.
Adolescente – E isso é bom ou mau?
Pai – Não sei.
O)
1914
Numa casa, visivelmente rica, vê-se tudo desarrumado, jarrões partidos no chão, noutra cena vê-se uma velhota estendida no chão, com sangue na cabeça, morta.
Amâncio, de noite, caminha colado à parede, olhando por cima do ombro, enquanto vai pensando.
Amâncio (em pensamento) – Desta vez o assalto rendeu, matei a velha, mas valeu a pena, dinheiro, cordões e arrecadas, vamos ficar bem, é desta que compramos a casita, e o meu Zé há-de estudar, ser doutor.
Foi um assalto bem catita, sim senhor, foi limpinho, nunca pensei que a velhusca tivesse em casa 2 contos de reis. Estou rico!
Não repara que está a ser seguido, apesar das muitas cautelas, vê-se um vulto negro a tornear um prédio.
Quando o Amâncio vai dar a curva para tornear o prédio, é-lhe espetava uma faca (frente a frente), que o atravessa, ele dobra-se, cai, olha,
Amâncio – Tónho?
A figura baixa-se, tira-lhe tudo dos bolsos, mete num saco preto, abandona a faca ensanquentada no chão, e vai-se embora a correr.
Amâncio morre.
P)
1916
Cais ferroviário de Santa Apolónia.
Há muita gente no cais, muitos soldados, muitas velhas, muitos cestos e farnéis, muitas lágrimas e recomendações.
- Tem cuidado filho
- Vai com Deus
- Oh filho, se te vires em perigo tu foge
(vais rodando como se fosses uma câmara a filmar o todo) de repente páras, numa mãe, toda vestida de preto, mas a roupa não é pelintra, está bem vestida, e num rapaz de cerca de 20 anos.
Cena aproximada, é a Adelaide, e o filho dela, o Zé.
Zé – A mãe cuide-se, e cuide do Tónho, é bom homem e foi o nosso amparo desde a morte do pai.
Adelaide – Eu sei filho, ele sempre gostou de mim e de ti, não gostava do pai, mas de nós sempre gostou.
Zé – E diga à Mariazinha que eu volto, caso com ela quando voltar mãe.
A Adelaide vai à malinha que tem pendurada no braço, e retira de lá a navalha que pertenceu ao Amâncio.
Adelaide – Toma, era do pai, leva-a, tu faz o que for preciso, mas volta!
1916 – Ano bissexto.
Estou a equacionar levar este assunto até às últimas instâncias, ao "autor" de tal livro, e à editora, que conhecendo o texto original (o meu), mesmo assim publicou a cópia foleira.
Nota: Não, não digo o nome do livro, nem o nome do "autor", pois até a má publicidade, é publicidade.
GUIÃO DO LIVRO DE BD “RES PUBLICA”
Autora dos Textos: Diabba (no registo coloquei o nome da humana em que habito)
A)
Lugar: café Martinho da Arcada.
Data: Novembro
Descrição do cenário
Tempo estranhamente quente para a época, Verão de S. Martinho (11.Nov), é fim do dia e o céu está em tons de guerra, avermelhado, e está abafado.
Encontramos o Eça e o Ramalho, sentados na esplanada, em amena cavaqueira, enquanto observam o burburinho do povo, na sua azáfama diária.
Há um cheiro de castanhas assadas no ar (está lá um vendedor de castanhas) pobremente vestido, como aliás estão todos os de baixa condição social.
Lisboa, Novembro de 1896.
Eça de Queiros, chegado de Paris, e Ramalho Ortigão, passeiam, em amena cavaqueira, na baixa lisboeta.
Ram - … pois, a minha Emília diz que os anos bissextos são aziagos. Coisa de mulheres, ou terá ela razão?
Eça – Oh meu amigo, nem parece a pessoa evoluída que eu sei que é.
Ram – às vezes desmoralizamos! O povo nunca está contente, por muito que se faça por ele.
Eça – Isso é bem verdade. Temos um dos reis mais cultos e interessados pelo bem estar da nação, e que valor lhe dão? Nenhum. Querem a república. Maltrapilhos.
Ram – é o nosso fado.
Eça – Qual fado, nem meio fado, Portugal tem de acompanhar o resto do mundo. Já viu como está Paris?
Ram – É verdade. Em Portugal electricidade, nas ruas, há! E porquê? Porque há meia dúzia de carbonários, que instigam o povo a querer menos, imagine o meu amigo. Devem pensar que é uma vaidade régia, ignorantes!
Eça – Já viu o meu amigo que este ano recomeçaram os Jogos Olímpicos, e ninguém fala disso!
Ram – Jogos? Oh meu amigo, o povo quer comida, não se interessa por jogos, por aqui só se for o jogo do eixo ou o jogo da malha (e sorri, bonacheirão)
Entretanto ouve-se ao fundo um ribombar, um som cavo, pode ser um trovão, o povo passa mais apressado, quase a correr.
Eça – Vamos embora meu amigo, vem aí uma trovoada.
Ramalho fica atento
Ram – Ainda deve estar longe, mas vamos!
Ram – Jantamos no Grémio?
Eça – Estou com saudade de um bom tinto do Dão. E de ouvir fado, apetece-me.
Ram – De que estamos à espera? Vamos a isso! E vamos a pé, para o meu amigo rever a cidade.
Começam a subir a Rua do Ouro (ver que velhas lojas existiam na Rua do Ouro)
Ram – Então mas conte-me, e as francesas?
Eça – Lindas que são, e cultas, não há o provincianismo, que está tão arreigado às mulheres portuguesas.
Ram – Ouvi uns zun-zuns que o meu amigo gosta é de inglesas, ehehe.
Eça – Boatos, a inveja provoca boatos!
Neste entretanto vão passando por pessoas de diversas classes sociais, e vão ouvindo frases soltas:
- …haviam de lhes acabar com a raça!
- meu nosso senhor Jesus Cristo.
- bandalhos.
Passam duas varinas, uma dela nova, bonita, avantajada de peito.
Ram – Olá cara laroca! (olhando lascivamente para a varina)
Varina – Olhó avozinho qu‘inda acha c’olham p’ra ele, vá mazé pró pé dos netos!
As varinas vão-se embora a rir, deixando o Ramalho semi-embaraçado com a resposta.
B)
Lugar: Vila Viçosa,
Sala de visitas “de confiança” (ver fotos), colocar o quadro feito pelo Rei “a varina”, inacabado, ainda no cavalete.
O rei observa e endireita o quadro que representa o iate D.Amélia III, dá de comer aos peixes do aquário
D. Carlos - … em Paris estão a construir uma torre toda em ferro, que é uma obra de engenharia magnifica.
Arnoso – Já ouvi falar Majestade, um dinheirão deitado fora!
D. Carlos – É um símbolo, uma coisa magnifica, é pena que seja só para a exposição.
Chega a D. Amélia, já acompanhada pelo José Malhoa
D. Amélia – Carlos, chegou o mestre Malhoa, não se esqueceu que tem que posar para o retrato real, pois não?
Malhoa – Majestade. (faz vénia respeitosa)
D. Carlos – Claro que não. Seja bem vindo mestre.
Malhoa – É uma honra retratá-lo Majestade.
D. Amélia – Sabe Carlos, o mestre Malhoa foi perseguido na rua por um lunático!
D. Carlos – Mas ao que vejo nada de grave aconteceu aqui ao mestre Malhoa, não lhe falta nenhum bocado!
D. Carlos – Bem mestre, vamos lá despachar isto, tenho que ir vestir a farda de gala?
Malhoa – Não é necessário Majestade, pinto as mãos e o rosto, o resto ficará por conta de um manequim de madeira. Assim não ficará Vossa Majestade cansado desnecessariamente.
O Rei posiciona-se para o retrato (ver foto de D. Carlos), o Malhoa compõe o Rei, por forma a colocar as mãos em determinada posição
D. Carlos – Então mestre, conte-nos o que se passou, em que sarilhos se meteu lá por Lisboa…
Malhoa – Imagine Vossa Majestade que, estava eu ali para os lados de…
C)
Lisboa,
Descrição do cenário: Malhoa passeia, com folhas de desenho semi-soltas debaixo do braço, lápis de carvão .
Há um ajuntamento de pessoas na rua, e Malhoa aproxima-se. Está uma rapariga, grávida, traços fortes de rosto, a cantar fado de olhos semi-cerrados, acompanhada de um guitarrista (o guitarrista tem a cabeça coberta por um chapéu ou boina).
Fado que está a ser cantado:
Sou fadada para o fado
Nele está o meu viver
Vejo-o em todo o lado
Sem ele prefiro morrer (letra inventada por mim, achei melhor, do que sermos acusados de plágio, por alteração de palavras num fado existente) hehehe
Há moedas dentro de uma caixa, e duas ou 3 fora da caixa, atiradas por quem assiste ao espectáculo de rua.
Malhoa fica encantado com o quadro que se lhe apresenta, e saca do caderno e lápis de carvão e começa a esboçar a fadista. (Adelaide da facada, ainda sem facada)
O guitarrista (Amâncio navalha) ao reparar no que Malhoa está fazer (já tem traços feitos) questiona-o de forma agressiva
Amâncio – Oh finório, estás a pintar o quê? Conheces a minha Adelaide d’algum lado?
Malhoa pára de pintar, e para evitar o confronto (até porque o Amâncio levou logo a mão ao bolso e sacou a navalha ainda fechada), foge (deixa cair algumas folhas brancas)
O Amâncio persegue-o
Amâncio – Oh pincelinho pára que eu também te quero fazer uma pintura nova!
Amâncio – Somos gente honesta, não é para qualquer porco vir pintar a Adelaide sem dizer nada!
O Malhoa bem se tenta explicar enquanto foge:
Malhoa: Oh amigo, não é nada disso, sou uma pessoa de bem!
Amâncio: És de bem és, espera que eu já te digo, tratante, finório dum raio.
Amâncio corre atrás de Malhoa e vê-se que a navalha já vai aberta.
Amâncio: Oh pincelinho, espera aí p’ra conversarmos! (enquanto olha para todos os lados, para evitar ser visto de arma na mão)
Nisto ouve-se um estrondo, um som cavo, uma explosão.
Amâncio pára atarantado
Amâncio: Mas c’um raio, um tiro de canhão?
Passam por ele dois homens, vestidos de negro, de cabeça coberta, a correr desenfreadamente.
Amâncio: C’aconteceu?
Um dos homens: Foge primo, larga a navalha!
Amâncio: Primo? Não sou teu primo, largo-te é a navalha no bucho!
Aparecem 4 ou 5 polícias (ver fardas da época) a correr, vão direitos ao Amâncio (de faca na mão) e manietam-no, e gritam para trás (como se viessem mais polícias)
Polícia: Apanhámos um, vai cantar como uma cotovia! (e vão dando uns socos no Amâncio)
Ouve-se ao longe, vinda do breu: Coragem primo, não fraquejes, em breve estarás connosco!
Amâncio: Estão enganados (para os polícias) não sou primo de ninguém, a minha mãe nem tinha irmãos, e não sei quem é o meu pai.
Amâncio: Estou inocente! Larguem-me!
Amâncio: Ajudem-me! (pede em altos berros)
E vai arrastado pela polícia.
D)
Eça e o Ramalho chegam à zona da explosão, há muita confusão de pessoas, fumo no ar e vidros partidos, com os lojistas à porta de mãos na cabeça, e dizem frases soltas:
- E agora quem nos paga?
- É só desgraças.
- Calha sempre ao mexilhão.
- A guerra é deles, os problemas são nossos
Eça: Afinal o som que ouvimos não era trovoada.
Ramalho apanha uma placa de metal, do chão, toda torta, um anúncio que diz “a Flor de Lys”
Ramalho: Está a ver isto?
Eça: Um símbolo da monarquia, foi um atentado?
Ramalho: Com certeza! Isto é uma vergonha! Não é civilizado. Anarquistas sem escrúpulos!
Eça: Acha que a carbonária está metida nisto?
Ramalho: Oh meu amigo só um cego é que não vê! Está cego? (defendendo a sua opinião de forma apaixonada)
Eça: Este assunto deixou-me mesmo com fome, não lhe apetecem uma passarinhos fritos? (dando uma piscadela d’olho ao Ramalho)
Ramalho: Um assunto destes e pensa em comida? (agastado com a insensibilidade do Eça)
Eça (rindo): Calma, calma, é que ouvi dizer que no Café Gelo servem uns passarinhos que ui ui (faz gesto com dedos ao pé da boca para mostrar que eram um pitéu)
Ramalho (percebendo-o): Ao Café Gelo? Enlouqueceu? É um antro de percevejos, carbonários por todo o lado, anarquistas, bandalhos! (novamente com ar apaixonado pela questão)
Eça: Há que viver perigosamente (ar jovial) meu amigo! Eles atacam-nos nas ruas, nós visitamos-lhe o covil, e atacamos!
Ramalho: Atacamos? Perdeu o tino?
Eça: Atacamos com as nossas armas!
Ramalho (abrindo o casaco): estou desarmado…
Eça: Armas? Afinal o louco é o meu amigo.
Ramalho: Vai dar-lhes umas bengaladas? Ahahahahah sempre quero ver isso!
Eça: Isso nem parece seu, as nossas armas são as letras, vou declamar!
Ramalho: Zé Maria, você é diabólico, arrisca-se a um linchamento…
Eça: Viver perigosamente (e volta a piscar-lhe o olho)
Páram em frente ao Café Gelo
Eça: Então, entramos?
Ramalho: Que aventura!
Entram.
O café que estava com muito burburinho de conversas várias pára de repente, com todos a olharem para os dois visitantes, todos de cenho franzido e com ar pouco amigável.
O Ramalho sente-se desconfortável e esconde-se atrás do Eça.
Eça (com ar jocoso): Oh meu amigo, esta gente ainda pensa mal de nós, consigo tão encostado a mim…
Ramalho: Sentemo-nos já aqui. (puxando o Eça, para a mesa vazia que estava logo à entrada).
Ramalho: e nem pense em declamações, que ainda saímos daqui deitados!
Sentam-se com todos os olhos dos presentes no café, cravados neles.
Vem o patrão, com um ar sebento, pano ao ombro e barba de 4 dias.
Gelo – Atão que tomam os esticadinhos desta mesa?
Eça – Dois passarinhos fritos. Ouvi dizer que este estabelecimento tinha um grande “savoir faire” na confecção destes “hors d’oeuvre” e que são digno de um, “cordon bleu”.
Gelo – Hã? Vocemeceses estão a dizer o quê? Mau, mau Maria, brincam comigo?
O Ramalho continua com um ar contrito, observando, também, quem os observa
Eça – e com duas tacinha de Champagne. Tem “Veuve Clicquot”?
Gelo – Oh Germana, vem tu aqui atender estes dois passarocos a ver se os entendes.
Nas mesas ao lado começam a gozar com os “esticadinhos”
1 - Oh franciú, queres vender o espingardú p’ra matar o pardalú?
2 – ahh num comprã pá?
3 – Não compram cá, nem noutro lado. (rebentam gargalhadas por todo o café)
Aparece a patroa com uma travessa de codornizes e dois copos na mão.
E)
Local: Herdade do Vidigal
Acção: céu, ouve-se um tiro e vê-se um pássaro a cair em linha recta (morto). Vê-se um cão de caça (ver as raças dos cães de caça do Rei) a partir em corrida em direcção ao sítio onde caiu o pássaro, e dp vê-se a voltar com o pássaro na boca. O Rei baixa-se tira-lhe o pássaro e faz-lhe uma festa agradecendo
Rei – bom cão, bom cão (e dá-lhe umas palmadinhas no lombo)
Tem com ele o Conde de Arnoso, seu secretário/conselheiro/amigo que o acompanha na caçada.
Arnoso – como lhe estava a dizer Majestade, o povo nunca está satisfeito…
Rei – o povo? Coitado do povo, o povo não tem voz activa. Infelizmente a voz do “povo” são meia dúzia de sacripantas que lhes falam ao coração, dizendo um chorrilho de mentiras, e o povo crente e temente, tudo aceita.
Começam a caminhar, com as armas em repouso no braço.
Rei – Os republicanos não nos perdoam o que teve que ser feito com o “Ultimatum” inglês, não percebem que seríamos chacinados, e o que é um pedaço de terra, por muito grande que seja, comparada com a vida das pessoas? Nada!
Arnoso – eu sei Majestade, “a Portuguesa” anda de boca em boca, como quem canta um hino…
Chegam ao pavilhão de caça da Herdade, entram. Mostrar o pavilhão por dentro, incluindo a estatueta que representa o Eça.
Rei – esses cães sarnentos só mostram ao povo o que lhes convém, olhe lá se tentam com que o povo fique mais esclarecido, não pois não? Ninguém do povo conhece o Eça de Queirós, (pega na estatueta) por exemplo, e como ele é grande. Nada fica a dever aos maiores escritores da actualidade, e tenho cá para mim que dificilmente será ultrapassado pelos vindouros.
Arnoso – ora Majestade, se nem os que sabem ler o conhecem, que se dirá então do povo! E já não deve ter muitos anos pela frente, a última vez que o vi, saiba Vossa Majestade, que o José Maria estava muito, muito debilitado.
O Rei, pousa a estatueta do Eça e aproxima-se dum aparelho, que é uma moderna máquina fotográfica da altura.
Rei – Lamento sabê-lo. Tenho que o convencer a deixar-me tirar-lhe um retrato. (o Rei coloca a mão em cima da máquina)
F)
Cenário: Esquadra de polícia.
Na 1ª vinheta aparece uma máquina fotográfica. Dp vê-se uma panóplia de apetrechos que mais parecem de tortura.
Depois vê-se o Amâncio um bocado maltratado fisicamente, um olho roxo, e fechado, com sangue a sair do nariz, e uma pessoa de bata branca (fotografo) a limpar-lhe a cara com um pano.
Fotografo policial – Esteja quieto.
Polícia – Tem lá calma, isto é rápido, se não tiveres nada a esconder… (ar ameaçador)
Há mais 1 polícia numa secretária, a escrever (as esquadras já teriam máquina de escrever? Tenho cá para mim que era tudo feito à mão, preenchiam uns papeis já prontos, como os que fotografei na Cadeia da Relação do Porto)
O fotografo, de bata branca, começa a colocar o aparelho na cabeça e pescoço do Amâncio, que fica apavorado, pensando que vai ser torturado.
Amâncio – eu não fiz nada, juro!
G)
1900 (ano de morte do Eça)
Eça e a mulher, vivem em Paris, visitam a feira popular. Eça está muito acabado, acorcunda e está visivelmente doente.
Emilia – Queres ir embora Zé Maria? Vamos até aos Campos Elísios, sentamos-nos numa esplanada, tu descansas, enquanto lanchamos.
Emília – Não te apetece uma taça de Veuve Clicquot? Pode ser que te volte a cor à cara.
Eça – O que me falta mesmo é um copo de vinho, trocava toda a champanhe do mundo por um copo de vinho do Dão, no Café Gelo, isso e uns passarinhos fritos!
H)
Malhoa, na Mouraria, vai com as folhas debaixo do braço, boina na cabeça, lápis a saírem do bolso do casaco.
Entra numa tasca, daquelas bem sebentas, com mesas em madeira e bancos de 3 pernas, há bêbedos lá dentro. O patrão, de palito no canto da boca, limpa o balcão com um pano sujo. Nas mesas há canecas de barro (daquelas de barro vermelho), com vinho, e copos de vinho, uns meio cheios outros vazios, e outro acabado de encher ainda com bolhinhas em cima, com um dos bêbedos ainda a acabar de encher (vinho a sair da caneca e a cair no copo).
Malhoa entra e senta-se, e faz sinal ao taberneiro
Malhoa – Um copo de três e pão com torresmos
Entram 2 putas, para entrar levantam as saias, e mostram as pernas até aos joelhos, estão pintadas duma forma exagerada, muito blush, baton vermelho, um sinal na cara.
Puta1 – Eh lá, quem é que temos por aqui?
Puta2 – É para mim ( diz para a 1). Oh bonitão não quer subir comigo? Não precisa do vinho, eu aqueço-o!
Puta1 – Oh Micas, não te esforces, não vês que é pintor? Este só usa o pincel para pintar.
Puta2 – Podia pintar o quarto…
Patrão – Caluda, que se vai cantar o fado!
Aparece um gorda, feia, com um ligeiro buço, com xaile de fadista. As putas sentam-se na mesma mesa que o Malhoa, e espreitam para o esboço que está em cima da mesa (esboço do quadro “os bêbedos”).
Puta2 – Ai que desenha tão bem. Gostava tanto que me fizessem o retrato… (e manda umas pestanadas ao Malhoa)
(FADO CANTADO PELA GORDA)
Deixei de ouvir
Os passos do meu amor
O mundo parou de rir
Não mereço, não mereço tanta dor
Vivo a chorar, vivo a chorar
Partiste e nada disseste
Não sabes o que me fizeste
Não sabes o que é amar
O patrão, chega à mesa acompanhado dum fulano, com ar de rufia, bigode fininho, com ar pimpão, calças de sarja, com suspensórios camisa flanela aos quadrados e casaco.
Patrão – Este é o Pintor, mas tenha cautela mestre, é só alcunha, nem pintar paredes sabe. Acautele o que tiver de valor, ele não é de fiar…
Rufia – Atão chefe, (estende a mão para cumprimentar o Malhoa, que retribui educado) não ligue ao Agostinho, sou um homem de bem (com um sorriso cínico)
Malhoa – Ali o amigo Agostinho disse-lhe o que procuro?
Rufia – Uma fadista para pintar, não é? Tem uma mesmo à sua frente!
Malhoa – Não é esta que eu quero. Procuro uma fadista mais nova, e mais bonita, para pintar
Rufia – mais bonita que esta não é difícil, esta até assusta um morto! (e ri feito parvo, acompanhado na risota pelas 2 galdérias)
Malhoa – Pois. O que quero é uma fadista, e um guitarrista, que tenham alma, que se conheçam bem, percebe? Que um não possa ser visto sem o outro…
Rufia – Estou a ver chefe (e coça o queixo), acho que sei o que procura, mas olhe que vai ter de pagar, e sabe que há maganos perigosos, que só pensam em dinheiro…
Malhoa - Arranje-me lá o que procuro e deixe o resto por minha conta.
I) (CENA EXTRA)
1904
Cenário: Casa de Adelaide e Amâncio, pobre mas limpa, na cozinha, com mesa e cadeiras toscas, há pão e uma faca em cima da mesa, um louceiro pequeno e velho com um vidro partido, tem lareira e vêem-se as panelas de ferro (3 pés) ao lume, com um balcão, com cortinados de chita, com florinhas. Há um alguidar de alumínio para lavar a loiça.
A Adelaide, está de avental e um pano a sair do bolso do avental.
Há uma criança de cerca de 8 anos, descalço, roupa toda puída, calças um bocadinho curtas, mas a criança está limpinha e penteadinha.
Zé – Mãe, o pai?
Adelaide – Não sei filho.
Entra o Amâncio, e cumprimenta o filho com uma despenteadela.
O filho abraça-o feliz,
Zé – Pai!!!
Amâncio – Zé, vai brincar p’rá rua vai… (e o miúdo vai)
Amâncio – Oh Laide, que conversa é essa de andares com conversinhas com o trinca espinhas do Tónho da quitanda?
Adelaide – Eu? Estás maluco, homem.
Amâncio – Ai eu é que estou maluco? Tu é que me faltas ao respeito e ainda por cima sou o maluco?
Adelaide (danada) - Olha sabes que mais? Faço o que tenho que fazer, porque o Zé tem que comer e viver, e se estivéssemos à tua espera, coitado do nosso filho, já tinha morrido de fome!
Amâncio – Confessas sua galdéria? Pegas-te assim com qualquer um?
Adelaide – Com qualquer um que ponha comida na boca do meu filho!
Amâncio perde a cabeça, pega na faca que está em cima da mesa ao pé do pão e zás… a Adelaide ainda se lança para trás, mas é apanhada na face, do lado esquerdo. Cai no chão, agarrada à cara, muito sangue
Adelaide - Acudam que ele mata-me, acudam!
Amâncio (aflito) – meu Deus, que fiz? Perdoa-me Laidinha, perdoa-me! (e ajoelha-se)
J)
1907
Local: tasca tipica
Malhoa finalmente conhece o par ideal, e aquele que buscava há anos – Adelaide e Amâncio
“pintor” rufia – Então vamos lá ver se é desta, Mestre. Acho que já não há fadista e guitarrista nesta cidade que não lhe tenha apresentado.
Malhoa em pensamento, depois de ver o casal: - Finalmente!
Amâncio olha para Malhoa atentamente:
Amâncio – oh patrão, nós não nos conhecemos? A sua cara não m’é estranha.
Malhoa (já o tendo reconhecido) – Nunca o vi amigo, sou apenas um pintor, como muitos que há pela cidade.
Amâncio – Então quer pintar-me a mim e à minha Adelaide? Mas olhe que semos gente séria, nem pense em fazer poucas vergonhas, não tiramos a roupa.
Malhoa – esteja descansado, estarão vestidos, só quero pintar uma fadista e um guitarrista.
Amâncio – Nem pense ca ‘nha Adelaide vai cantar, ficar qu’a boca escancarada é feio numa mulher, se quiser, sou eu que canto, e toco!
Adelaide – E eu posso ficar assim (esticando-se sobre uma mesa), d’olhar caído pró meu Amâncio, ele canta como um rouxinol.
Amâncio – Rouxinol? ‘tás aqui ‘tás a levar c’uma lamparina, não sou nenhum passaroco, nem gosto de grades!
Adelaide (dengosa) – Oh Amâncio, só te estava a gabar, homem de Deus.
Amâncio (para a Adelaide) – cala-te mas é, não preciso dos teus gabanços!
Malhoa – Vá tenham calma.
Malhoa (virando-se para a Adelaide e apontando para o rosto com uma cicatriz) – que lhe aconteceu? Um corte feio…
Amâncio – mau… mas afinal é pintor ou polícia? Meta-se na sua vidinha.
Amâncio – Quanto é que nos vai pagar por isto, afinal? É que eu quero o pilim adiantado, não pense qu’isto é de graça.
Malhoa – claro que não, claro que não. 300 reis, por dia, para ambos.
Amâncio – nem pensar, por isso num fazemos.
Adelaide (a querer aceitar) – Mas oh Amâncio…
Amâncio (brusco) – Calou!
Malhoa – Não posso pagar mais que 180 reis a cada um…
Amâncio (apertando-lhe a mão) - feito!
De repente do outro lado da sala há um burburinho
Os bêbedos à volta riem (mostrar velhos de copo na mão, desdentados e com um ar acabado) e de copos no ar fazem brindes, quer por um quer por outro dos rapazes envolvidos.
Alguns torcem pelo magala:
1 - dá-le, mostra-lhe quem manda!
2 – Esse tem a mania qué fino, por ser caixeiro numa loja fina.
Outro torcem pelo empregado do comércio
3 - Não te fiques, a Joaninha gosta é de ti.
4 - boa rapariga, a Joaninha (e faz sinal com o queixo em direcção a uma criadita, fardada, que se encolhe a um canto e toda vermelha de vergonha)
3 - isso é verdade, se há rapariga séria é a Joaninha.
O dono da tasca (mal barbeado, com um pano ao ombro e avental com manchas de vinho e gordura) dirige-se ao cerne da questão, onde estão dois rapazolas a fazer peito um ao outro, muito próximos.
Agostinho, (cena H) dono da tasca – Mas que é lá isto? Esta é uma casa séria, não são permitidos arruaceiros. Rua, rua.
Caixeiro – Oh Sr. Agostinho, o Sr conhece-me, e conhece a Joaninha, sabe que somos pessoas de bem, vamos casar daqui a dois meses. Este mariola é que lhe estava a faltar ao respeito.
Agostinho (vira-se para o magala, que estava, nitidamente, com os copos) – a faltar ao respeito à Joaninha? Badameco dum raio… (e vai direito a ele)
O Magala raspa-se a correr, perante a gargalhada geral dos bêbedos.
Agostinho – Joaninha, vai lá para casa da senhora, isto não é ambiente para ti, tens muito tempo para ficares com o Joaquim.
E a Joaninha sai, muito embaraçada, acompanhada pelo Joaquim, a uma distância normal, sem contacto físico, como duas pessoas sérias que são.
Há todavia dois homens vestidos de negro, com chapéus de abas largas, a tentarem não ser notados, que se mantiveram sempre sérios, e não participativos na “alegria” que a altercação provocou, inclinados um para o outro, com ar de quem está a segredar.
Adelaide (dando uma cotovelada ao Amâncio) – Oh Amâncio, estão ali dois mariolas que num tiram os olhos de ti homem.
Os dois homens cochichavam, entre si:
- é primo!
Amâncio – ai a minha Santa Quitéria, só me faltavam os primos, inda lhes ponho é as tripas de fora, já chegou a desgraça da outra vez!
Amâncio – Laidinha, Mestre Malhoa, vamos embora que eu não quero problemas com a polícia, e onde há primos, pode haver polícia.
Despedem-se à porta da tasca, já é de noite, o mestre Malhoa, vai no sentido oposto ao do casal, e mete-se por uma viela mal iluminada.
CENA EXTRA JJ)
O mestre Malhoa vai com o material de desenho apertado junto ao peito, como quem guarda um tesouro, vê-se pela corrente que usa um relógio de bolso.
De repente, numa esquina vê-se um punho fechado a sair duma esquina e a acertar no Malhoa, que cai no chão desamparado, a pasta que leva com os desenhos não se abrem ele fica no chão encolhido em posição fetal, enquanto é agredido com uns pontapés, e se ouve uma voz :
- tudo p’ra cá o magano, dinheiro e relógio.
Malhoa – Leve o que tenho, sou só um pintor, mas não me mate.
De repente o agressor pára e baixa-se – é o “pintor” rufia que lhe tinha apresentado o Amâncio e a Adelaide –
“pintor” – (reconhecendo-o) Mestre? oh co diabo, oh mestre, desculpe lá, (rindo meio nervoso), oh que diabo, tinha logo que me sair vocemecê?
(ajuda o Malhoa a levantar-se, e vai-o arranjando, sacode-lhe os ombros do casaco, com as mãos penteia-lhe o cabelo, e com o lenço que usa no casaco (armado em “pintas”) limpa o sangue do rosto do Malhoa)
“pintor” – não foi nada Mestre, já está tudo bem, desculpe, caramba, querem ver que tenho que usar óculos? Já nem reconheço os amigos!
Malhoa – Se as ruas tivessem iluminação eléctrica, como desejava El-Rei, você já não se enganava… ou enganava na mesma, e dizia que era vesgo…
“pintor” – desculpe Mestre, vou levá-lo a casa, não quero que mais nada lhe aconteça.
K)
1907
Arredores de Lisboa
Noite, rua deserta, chuva .
Dois homens caminham juntos, com as samarras apertadas, usam chapéus de abas largas, tentam não dar nas vistas, apesar da rua deserta, e com poucas casas, há bastantes árvores, não estamos no centro da cidade, mas nos arredores.
Homem 1 – estás preparado?
Homem 2 – Nasci preparado.
Entram numa casa sombria onde tudo está apagado, descem para uma cave, onde está tudo iluminado por tochas (pode haver janelas viradas para a floresta) mas é de noite.
Um deles bate compassadamente à porta, é evidente que é um sinal – Tok – tok tok –tok – tok tok tok.
Vê-se a cave por dentro onde estão reunidos muitos homens, todos vestidos com vestes idênticas (ver fotos dos paramentos).
Primo Cobridor – Algum profano bate à nossa porta
Todos os assistentes – Algum profano bate á nossa porta.
Gran Mestre – Vede quem é este temerário que ousa perturbar os nossos pacíficos trabalhos.
Primo Cobridor – É um profano que se encontra perdido na Floresta.
Gran Mestre – Perguntai-lhes o que procura e com que direito pretende estar entre nós.
Primo Cobridor responde pelo candidato – Com a liberdade dos seus princípios e com a moralidade dos seus costumes.
Gran Mestre – Fazei-o entrar
Entra o Candidato de olhos vendados
Gran Mestre – Cidadão, quem te inspirou para vires até nós?
(nesta parte havia liberdade de texto para o Candidato – que continua vendado - dizer os motivos)
Candidato – A liberdade, o não querer viver mais sob o jugo de um rei que só pensa em caçadas, pescarias e viagens, enquanto o povo sofre com fome.
Gran Mestre – Nós exigimos três coisas aos que querem fazer parte da nossa sociedade:
1 – Sinceridade de coração
2 – Absoluta docilidade
3 – Uma coragem a toda a prova e desprezo perante todos os perigos.
Estais determinado? Quereis submeter-vos a esta terrível prova?
Candidato – Sim.
Gr Mestre – Já que estais inteiramente decidido (vira-se para um dos presentes), bom Primo Esperto, fazei-o realizar a primeira e a segunda viagem. (vira-se de novo para o Candidato) Sai, e feita a viagem, volta e bate irregularmente à porta.
O candidato sai, e volta com a roupa em desalinho (estou a inventar, acho que era uma saída simbólica, como se deixasse finalmente o passado para trás) bate de forma irregular, abrem-lhe a porta.
Gr Mestre - Nós exigimos de vós outra prova mais severa, e esta é um juramento, o mais sagrado e inviolável. Ele não ofende nem religião, nem o estado, tampouco ofende os direitos civis, mas deveis subscrevê-lo. Estais disposto a isso?
Candidato – Sim.
Gr Mestre (para todos e fazendo com as mãos o gesto para todos se levantarem) De pé, é a ordem Bons Primos. Mestre de Cerimónias, fazei-o aproximar-se do Trono, acompanhado dos guardas.
Candidato (vendado) ajoelha-se perante o Gr Mestre
Gr mestre – Que desejais profano?
Candidato – a luz.
Gr Mestre – esta vos será concedida ao terceiro golpe do meu machado.
Todos se aproximam do Candidato e põem-se de machados em riste com ar ameaçador.
O Candidato é desvendado pelo Mestre de Cerimónias.
Gr Mestre – Estes machados que vedes em nossas mãos, servirão para vos matar se vos tornardes perjuro. E irão em vosso socorro se deles tiverdes necessidade.
O Candidato é novamente conduzido ao trono e repete o juramento
Mestre de Cerimónias – Repeti comigo: Eu juro e prometo reconhecer e observar os Estatutos Gerais e Regulamentos da Ordem Carbonária e da Alta Venda de Nápoles e também desta Respeitável Venda da qual sou membro.
Finalmente realiza-se o “baptismo” do Iniciado:
O Grão Mestre toca-lhe nos olhos, ouvidos, nariz e lábios com uma toalha de linho levemente humedecida com água dizendo:
Grão Mestre – Não vejais senão por meio dos nossos olhos; Não ouvis senão por meio dos nossos ouvidos; Aspirareis os eflúvios do nosso carvão; Não pronunciareis senão palavras sábias.
Grão Mestre – à glória do Grão Mestre do universo, em nome de São Teobaldo, e sob os auspícios da Grande Loja, e pelos poderes que me foram confiados, eu vos constituo aprendiz carbonário, e membro desta respeitável Venda. (levanta-se e dá-lhe os paramentos). Tomai estes ornamentos, os quais servem para vos dar o direito de estar sentado entre nós. A partir deste momento não mais deveis usar o título “senhor”, entre nós tratamo-nos por “Bom Primo”.
O Grão Mestre dá-lhe o beijo da paz. (espero que um beijo respeitável na testa, nada de coisas amaricadas tipo desentupidor… hihihihihi)
Acaba a cerimónia com todos de machados no ar com um grito de guerra “morte ao Rei!”
L)
1 de Fevereiro de 1908
Cais de embarque, antes de atravessar o Tejo, está toda a comitiva real, com a Rainha e os filhos.
O Tenente-Coronel José Lobo de Vasconcellos tenta dissuadi-lo de ir a Lisboa.
Ten-Cor – Como seu amigo, faça-me a vontade, não vá. Não consegui demovê-lo em Vila Viçosa, mas insisto, não vá Majestade.
D.Carlos – Tu julgas que eu ignoro o perigo em que ando? No estado de excitação em que se acham os ânimos, qualquer dia matam-me , à esquina de uma rua.
Ten-Cor – Por isso mesmo Majestade.
D. Carlos – Mas… que queres tu que eu faça? Que ideia fariam de mim os estrangeiros se vissem o rei impedido de sair? Isso seria o descrédito. Eu cumpro o meu dever, os outros que cumpram o seu.
Ten-cor – Vossa Majestade é que sabe.
D. Carlos - O povo sabe que eu faço tudo por ele. Eu confio no meu povo!
Ten-Cor – o povo talvez, mas o que eu temo não é o povo, são uns energúmenos que se acham donos da razão, e esses sim são perigosos, porque manipulam o povo.
D. Carlos – Eu sei que sou um dos Vencidos da Vida, mas não desisto, não há ninguém que ame mais esta terra e este povo que eu.
Ten-Cor – Se não o posso demover, pelo menos leve esta arma (e estende-lhe um revolver)
D. Carlos – Parece que não me conheces as minhas armas estão sempre carregadas, e estão comigo!
Ten-Cor – que Deus o acompanhe.
Na viagem D. Carlos é visto na popa, com ar distante, a fumar o seu charuto, longe do resto da comitiva.
Chegados ao cais de desembarque, há algum povo, uns dão vivas ao Rei, outros mostram má cara, mas não dizem nada.
- Viva o Rei!
Uma criança descalça pergunta:
Criança – Quem é aquele? (apontando para o Rei)
Mãe – É o Rei D. Carlos.
O Rei desce da embarcação, e é recebido pelo 1º Ministro João Franco, e outros membros do Governo.
1º Ministro – Majestade (vénia)
Rei olha em volta e vê algumas más caras entre o povo.
D. Carlos - Há alguma novidade?
Pº Mº João Franco - Nenhuma senhor.
D. Carlos – Vê bem, porque se houver, eu seguirei para o Paço, e os meus (vinha acompanhado da Rainha e os dois filhos) voltarão para Vila Viçosa.
Pº Mº João Franco – Absolutamente nenhuma meu Senhor. Vossa Majestade terá, esta noite, uma ovação em S. Carlos.
A família real sobe para o landau (coche aberto?)
M)
1910
Cena: Local onde foi pintado o quadro “o fado”, mostrar janela com todos os vidros.
Amâncio – É que nem pense nisso, quem canta sou eu! Canto e toco, e é se quer, se não quer ponha-se ao fresco.
Malhoa – Ficava melhor ser a Srª D. Adelaide a cantar, como acontece normalmente quando actuam.
Amâncio – Já disse o que tinha a dizer, e é como eu digo!
Adelaide – Oh Amâncio que mal tem?
Amâncio – Já viste essa boca? Queres ficar no quadro de boca aberta e sem dentes? Que lindo quadro…
A Adelaide cala-se.
Malhoa – Então fazemos assim: Você senta-se ali com a guitarra, toca e canta, e a Srª D. Adelaide…
Amâncio – Srª D. Adelaide para cá, Srª D. Adelaide para lá, cá para mim você está é a olhar para onde não deve (de mão no bolso e com ar ameaçador)
Malhoa – Oh Sr. Amâncio, nem pense nisso, sou um homem respeitador, tenho mulher e filhos.
Amâncio – vamos lá a ver…
Malhoa - podemos então começar? O Sr. Amâncio senta-se assim (e o Malhoa posiciona-o como quer), e (falando para a Adelaide) a Srª D. Adelaide põe-se assim na mesa, a olhar para o seu marido, por favor deixe descair a alça da camisa para mostrar o ombro…
Amâncio (saltando) – Qué lá isso? Poucas vergonhas não, é que não admito…
Malhoa – Pronto, deixe lá a alça, fica como está.
Adelaide levanta-se já danada
Adelaide – Mas só tu é que podes aparecer homem? Tu cantas, tu tocas, tu mandas, isto não é assim, eu também quero estar no retrato, e vou descer a alça!
Amâncio – O quê? Estás maluca mulher? (furioso)
Adelaide – Nem te atrevas (afasta-se dele) ele (apontando para Malhoa) também me quer pintar a mim!
O Amâncio dirige-se a ela com ar agressivo, ela não vai de modos e descalça a soca (é madeira por baixo) e vummppttt arremessa-a à cabeça do Amâncio, que se desvia, e vai direita à janela, partindo um vidro.
O Amâncio vendo que a Adelaide estava “por tudo” acalma-se
Amâncio – Oh Laidinha, eu só quero que tu fiques bonita como és, que não se veja a cicatriz, e não quero que pensem que és uma qualquer que mostra os ombros com ar desleixado…
A Adelaide fica toda embevecida, com os cuidados do seu amado
Adelaide – Oh homem de Deus, e porque é que não disseste logo? Se é por isso, então não mostro ombro nenhum, ouviu mestre?
Amâncio – E nada de aparecer a cicatriz da minha Laidinha no quadro!
E vê-se eles posicionados como no quadro do Malhoa, e uma tela já com os traços todos a carvão.
N)
1910 - Proclamação da República
3 Outubro 1910
Os chefes republicanos reuniram-se de urgência nessa noite. Alguns oficiais (ver fardas da altura) foram contra o golpe nessa altura, dada a prevenção dos militares.
Oficial – Não pode ser, temos que adiar o golpe, no quartel está tudo de prevenção, “eles” estão à nossa espera, morreremos todos.
Almirante Cândido dos Reis – adiar? Nunca! A Revolução não será adiada. Sigam-me se quiserem. Havendo um só que cumpra o seu dever, esse único serei eu!
Havia outro radicais que tinham a mesma posição que o Almirante
Teófilo Braga – Não podemos adiar mais. Temos que nos libertar dos grilhões.
José Relvas – A revolução está na rua, já não há como parar isto!
João Chagas – o povo está connosco! (virado para os que estavam mais contidos)
5 de Outubro de 1910
Varanda da Camara Municipal de Lisboa
José Relvas faz um discurso inflamado (não consegui achar o discurso), a Pç do Munícipio está a abarrotar de gente, que dá vivas à República, a maioria estão felizes, mas há um ou outro medroso
- Viva a República
- Liberdade para o povo
- Morte ao Rei
- Vamos embora para casa, ouvi dizer que vem aí as tropas do Rei
No meio da multidão, com cara de poucos amigos vê-se o Amâncio, que diz em surdina, como se falasse para si mesmo – Se morressem todos é que era, não fazem cá falta nenhuma, não lhes dar uma caganeira a todos. E vai-se embora, virando as costas à alegria dos restantes.
Adolescente - Pai, o que é a República?
Pai – heee hummm pois… é não ter Rei.
Adolescente – E isso é bom ou mau?
Pai – Não sei.
O)
1914
Numa casa, visivelmente rica, vê-se tudo desarrumado, jarrões partidos no chão, noutra cena vê-se uma velhota estendida no chão, com sangue na cabeça, morta.
Amâncio, de noite, caminha colado à parede, olhando por cima do ombro, enquanto vai pensando.
Amâncio (em pensamento) – Desta vez o assalto rendeu, matei a velha, mas valeu a pena, dinheiro, cordões e arrecadas, vamos ficar bem, é desta que compramos a casita, e o meu Zé há-de estudar, ser doutor.
Foi um assalto bem catita, sim senhor, foi limpinho, nunca pensei que a velhusca tivesse em casa 2 contos de reis. Estou rico!
Não repara que está a ser seguido, apesar das muitas cautelas, vê-se um vulto negro a tornear um prédio.
Quando o Amâncio vai dar a curva para tornear o prédio, é-lhe espetava uma faca (frente a frente), que o atravessa, ele dobra-se, cai, olha,
Amâncio – Tónho?
A figura baixa-se, tira-lhe tudo dos bolsos, mete num saco preto, abandona a faca ensanquentada no chão, e vai-se embora a correr.
Amâncio morre.
P)
1916
Cais ferroviário de Santa Apolónia.
Há muita gente no cais, muitos soldados, muitas velhas, muitos cestos e farnéis, muitas lágrimas e recomendações.
- Tem cuidado filho
- Vai com Deus
- Oh filho, se te vires em perigo tu foge
(vais rodando como se fosses uma câmara a filmar o todo) de repente páras, numa mãe, toda vestida de preto, mas a roupa não é pelintra, está bem vestida, e num rapaz de cerca de 20 anos.
Cena aproximada, é a Adelaide, e o filho dela, o Zé.
Zé – A mãe cuide-se, e cuide do Tónho, é bom homem e foi o nosso amparo desde a morte do pai.
Adelaide – Eu sei filho, ele sempre gostou de mim e de ti, não gostava do pai, mas de nós sempre gostou.
Zé – E diga à Mariazinha que eu volto, caso com ela quando voltar mãe.
A Adelaide vai à malinha que tem pendurada no braço, e retira de lá a navalha que pertenceu ao Amâncio.
Adelaide – Toma, era do pai, leva-a, tu faz o que for preciso, mas volta!
1916 – Ano bissexto.
Estou a equacionar levar este assunto até às últimas instâncias, ao "autor" de tal livro, e à editora, que conhecendo o texto original (o meu), mesmo assim publicou a cópia foleira.
Nota: Não, não digo o nome do livro, nem o nome do "autor", pois até a má publicidade, é publicidade.
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