A minha mortal que cresceu num lugar onde não havia água canalizada, e casas com “luz”, eram só meia dúzia delas.
A som da vida eram as pessoas, os animais, os pássaros, o som dos ribeiros, e da ribeira (a 2km) da aldeia. Gostava tanto deste “silêncio” sem carros, sem buzinas, sem palavras. Deitar-me ao sol, sentir o cheiro da hortelã do ribeiro, ouvir as rãs, as cigarras, e os pássaros.
Corria na rua, jogava ao eixo, ao “sapo”, e se não há luz, não há televisão. Mas havia uma fonte inesgotável de histórias, todos os velhos da aldeia tinham histórias fabulosas para contar, de mouras encantadas fechadas em fragas, perseguidas por ferozes reis que as queriam roubar, e elas coitadas corriam, corriam, até a mãe natureza as socorrer e esconder, ainda hoje lá estão.
Havia os monstros a evitar (naqueles caminhos por onde não queriam que nós, crianças desmioladas, fossemos), fontes onde não nos podíamos inclinar em demasia, pois seríamos caçados pela “mãe d’água” e “não voltam a ver os vossos pais”…
Diziam-nos onde ficavam as fontes milagrosas, onde “beber daquela água cura tudo”, e depois íamos em correria ver, e descobríamos que a água era cor de laranja (sei agora, é água rica em ferro), mas tínhamos medo de lá meter a cabeça, pois era uma pequena gruta, escura, e, se calhar, a “mãe d’agua” estava lá à espera para nos armar uma cilada. (nunca fiando)
Subia às árvores para ver os ninhos (nunca estragar, os bichos são precisos), andava pelo meio das hortas devagarinho, na esperança que as borboletas me pousassem em cima.
Precisava de uma máquina de viajar no tempo.