quarta-feira, junho 30, 2010

Era uma vez (parte 1)



A minha mortal que cresceu num lugar onde não havia água canalizada, e casas com “luz”, eram só meia dúzia delas.



A som da vida eram as pessoas, os animais, os pássaros, o som dos ribeiros, e da ribeira (a 2km) da aldeia. Gostava tanto deste “silêncio” sem carros, sem buzinas, sem palavras. Deitar-me ao sol, sentir o cheiro da hortelã do ribeiro, ouvir as rãs, as cigarras, e os pássaros.


Corria na rua, jogava ao eixo, ao “sapo”, e se não há luz, não há televisão. Mas havia uma fonte inesgotável de histórias, todos os velhos da aldeia tinham histórias fabulosas para contar, de mouras encantadas fechadas em fragas, perseguidas por ferozes reis que as queriam roubar, e elas coitadas corriam, corriam, até a mãe natureza as socorrer e esconder, ainda hoje lá estão.


Havia os monstros a evitar (naqueles caminhos por onde não queriam que nós, crianças desmioladas, fossemos), fontes onde não nos podíamos inclinar em demasia, pois seríamos caçados pela “mãe d’água” e “não voltam a ver os vossos pais”…


Diziam-nos onde ficavam as fontes milagrosas, onde “beber daquela água cura tudo”, e depois íamos em correria ver, e descobríamos que a água era cor de laranja (sei agora, é água rica em ferro), mas tínhamos medo de lá meter a cabeça, pois era uma pequena gruta, escura, e, se calhar, a “mãe d’agua” estava lá à espera para nos armar uma cilada. (nunca fiando)


Subia às árvores para ver os ninhos (nunca estragar, os bichos são precisos), andava pelo meio das hortas devagarinho, na esperança que as borboletas me pousassem em cima.


Precisava de uma máquina de viajar no tempo.

14 comentários:

Vício disse...

sem falar na parte de roubar fruta aos vizinhos...

Diabba disse...

Bício,
estávamos autorizados, não era roubo, podíamos entrar em todo o lado "desde que não estraguem" e comer tudo o que fosse comível. Pêssegos, cerejas, figos, malápias (descobri mais tarde que na cidade lhe chamam maçã Bravo de Esmolfe(!!) ). Bons tempos, não me posso queixar, foi uma boa infância.

Vício disse...

eu posso dizer o mesmo! :)

se bem que na parte das casas com "luz"... a falta dela era geral!
estudei até aos 8 anos à luz dum candeeiro a petróleo :p

bombas disse...

És tu a descrever o que viveste, Diabba??? Cresceste assim até que idade??? E já agora, em que "terra"???

Diabba disse...

Francisco,
Sim vivi o que descrevi, foi assim até aos 12, depois fui para o Porto. Onde? Uma aldeia chamada Franco. googla! ]:-)

Diabba disse...

Francisco,
o Google não ajuda muito, vai aqui:
http://www.freguesiafranco.com/
Tem uma foto da tal ribeira que fica a cerca de 2km da aldeia

bombas disse...

Pois é, pois é... Uma aldeia de Mirandela. Até aos doze anos (pelo menos para ti) foi bom, muito bom...
Mas sabes perfeitamente que, para quem vivia do que a terra dava, a vida não parava, as condições eram as mínimas... Autêntica Idade Média...
Eu quando ouço falar algumas pessoas, que não pensam ou são burras, sobre a vida saudável nas aldeias antigamente, até me arrepio...
Era uma luta constante, imprevisível e sem perspectivas nenhumas a não ser sair de lá... Quem quiser viver na Idade Média que viva... Eu gosto muito do meu sofá (arranhado, não roto), da minha tv, do meu PC, das minhas casas de banho com duche quente, da minha cozinha movida a electricidade e/ou gás, da mobilidade, etc etc... As "Franco" são boas HOJE, para descansar com boas condições.... No teu tempo de criança foi bom para ti mas era uma vida super dura para os que de lá tiravam o seu sustento... (REGRA GERAL, entenda-se)

Unknown disse...

Era o subir às árvores, o cair e esmurrar o nariz...o jogar ao pião, e ao elastico, o saltar à corda ...o andar numa bicicleta 3 vezes maior que nós, o cair e ter nos joelhos feridas em cima de feridas...era "oh senhor barqueiro deixa-me passar" e o ter que escolher entre o bolo de noiva ou o bolo de baptizado...era o jogar ao prego na areia da praia...era o correr para casa porque a noite estava a chegar e a mãe ia ficar tão preocupada...era a coragem de ir à "casa cinzenta" que estava abandonada aos fantasmas que se ouviam de verdade se "ousares ir lá sózinha"...era...era...se encontrares a tua máquina do tempo deixa-me ir contigo!!
Beijos e obrigada por estas lembranças...

Diabba disse...

Francisco,
as coisas tb não eram tão más como as pessoas gostam de pintar, há quem só veja o lado negro da vida. Se tinha carne ou peixe para comer todos os dias? Não, não tinha, mas havia ovos, peixe congelado de vez em quando, e carne muitas mais vezes do que as pessoas imaginam. O meu avô tinha um rebanho, eu bebia leite todos os dias, comia muito queijo (que eu fazia), cabrito mais vezes do que como agora, coelho, muito, no tempo da caça, comi raposa, e javali (davam cabo das hortas), não, não era a desgraça que dizem, e ao que me lembro ninguém passava fome, a sério, havia sempre alguém que dava batatas, legumes, etc.
Foi bom, muito bom.

Dóris,
acho que só quem nasceu no campo, e gostou, percebe o que me vai na alma (que não tenho, mas não arranjei substituto para a palavra) hihihihi ]:-)

bombas disse...

Diabba, eras da Nobreza... Não eras da plebe, daqueles que andavam sempre atrás de um expediente para ganhar uns tostões...
Bem, pensando melhor, tu és mais ou menos da minha idade... Aí a miséria já não era tanta...
Eu não exagerei... Estava era a referir-me a umas décadas antes...
Quem é que, nos anos 50, numa aldeia, que não fosse RICO, tomava leite todos os dias????? Carne de vaca???? 1 vez por ano... etc etc etc... Tu sabes, não te ensino nada...

Dora disse...

era o saltar o muro da escola para ir a casa buscar o lanche...ter 3 classes na mesma sala e tomarmos conta dos mais pequenos na hora de leitura...era o brincar na rua sem tempo ao deus dará e a seguir correr para casa já no escurinho...correr as casas da vizinhança para ver quem tinha melhores brinquedos e queria emprestar...que saudades...

Diabba disse...

Francisco,
é claro que era da Nobreza, era e continuo a ser, hihihihi, o meu avô era pastor só porque gostava de andar ao ar livre, e tal...
(como dono de um rebanho, havia leite, e queijo com fartura em casa, e um cabrito de vez em quando não dava grande prejuízo, normalmente era aos mais fraquitos que corria mal a vida, e íam parar à panela) ]:-)

Isabella disse...

Que saudades este texto evoca! Imagens que ficam para sempre no nosso imaginário, no baú das nossas memórias...

Beijinhos

D-Man disse...

Ah! A saudosa infância...
''Precisava de uma máquina de viajar no tempo''. Todos nós sentimos essa necessidade, de uma maneira ou de outra.
Acho fantástica a tua capacidade de nos transportares para os mais diversos locais e acontecimentos!
Um sorriso e uma disposição a condizer...

Plágio encapotado. Ler post de 10.Abril.2011.